Pioneira desde sua criação (2006) a enfocar a preservação e o cinema como patrimônio, a 8ª CineOP –reafirma o propósito de ser um instrumento de reflexão e luta pela salvaguarda do rico e vasto patrimônio audiovisual brasileiro em diálogo com a educação.

Promove em edições anuais, o Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros, sedia o Fórum da Rede Kino e, reúne mais de 100 profissionais de vários Estados do País, para juntos, construírem o Plano Nacional de Preservação.

Preservação significa na atualidade uma ampla e refinada gama de atitudes, conceitos, metodologias e princípios com o desafio de retornar ao convívio social amplo sob a forma de difusão e o acesso aos bens culturais.

É com este propósito que a CINEOP pretende ser um espaço rico e democrático de discussões e reflexões do patrimônio cinematográfico brasileiro com a participação de profissionais da cultura, do audiovisual, da educação e com a presença de convidados internacionais.

 TEMÁTICA PRESERVAÇÃO

TEMPO DE COMPARTILHAMENTO
Uma dada sociedade, qualquer uma, se constitui a partir de um conjunto de práticas e de trocas que se vêem revestidas com o tempo de um sentido transcendente. O cerne desse processo se assenta na formulação de valores, considerados simbólicos pelas ciências e espirituais pela comunidade, que instituem e restituem a noção de pertencimento, fundamental para a adesão ao grupo e sua sustentação. As complexas sociedades do século XXI, quer se tratem de comunidades urbanas e pós-industriais, quer se refiram a aldeias indígenas, dispõem de instrumentos e canais cada vez mais diversificados de transmissão e manutenção, ou até mesmo recuperação, do ethos comunitário.

A proposição, circulação e preservação da produção cultural se tornou uma questão chave, perpassando instâncias tão amplas quanto distintas como ideologias nacionalistas, a indústria do entretenimento, cursos universitários, legislação e obviamente a ação do Estado.

Mas o que se entende por preservação hoje no Brasil, quais seus agentes, objetos, conceitos, formação, campos de trabalho, instituições, órgãos de classe e resultados?

E o que dizer de um campo específico como a preservação de filmes, mal saído de um reconhecimento oficial como patrimônio – a Recomendação para a Salvaguarda e Preservação de Imagens em Movimento, aprovada pela Unesco, é de 1980 – e só recentemente contemplado com uma proposta de prolegômenos, o crescentemente adotado Arquivística Audiovisual, de Ray Edmondson, cuja primeira edição em língua portuguesa  será lançada neste ano em Ouro Preto.

A cultura do século XXI é a cultura do compartilhamento, do cruzamento e da transformação de informações das mais variadas naturezas, onde o audiovisual assumiu caráter central. O estímulo à vida do cidadão – um dever básico do Estado – passa cada vez mais pela ação conjunta chamada preservação audiovisual. Vamos a ela mais uma vez na 8ª CINEOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, o espaço que se abriu e se consolidou para aproximar agentes, cidadãos, profissionais, dirigentes públicos e privados e os amantes do cinema, televisão, vídeo, computador, video-game, celular e todas as outras formas de tecnologia audiovisual do passado e do futuro.

Como parte desse processo de conscientização e reconhecimento da importância da preservação audiovisual e dos diversos profissionais que há tantos anos atuam – muitas vezes solitariamente – nessa área, a 8aCineOP homenageará o pesquisador e documentarista mineiro Jurandyr Noronha.

Hernani Heffner
Curador

 TEMÁTICA HISTÓRICA
1964-1969: O CINEMA BRASILEIRO ENTRE O GOLPE DE 64 E O AI-5

Na temática histórica, a 8ª CineOP propõe um olhar para o futuro, revisitando o passado. Antecipando as reflexões sobre os 50 anos do Golpe de 64, o evento faz reflexão sobre o cinema produzido entre o fatídico evento e o endurecimento do regime com a temática “1964-1969: O Cinema Brasileiro entre o Golpe e o AI-5”.

A ditadura em seus primeiros anos não inibiu as energias contestatórias internas do cinema brasileiro. O pensamento sobre a relação entre cinema, condição subdesenvolvida, colonialismo político-econômico e classe social era pensado de modo intrínseco à condição do “artista e do intelectual cidadão”. A arte estava na vida social, dali surgia e para ali tinha de retornar, e a forma cinematográfica estava na história, entrelaçada com o processo de desenvolvimento da sociedade brasileira.

Havia da parte de algumas cabeças programáticas -–à moda de Charles Baudelaire em relação à pintura moderna, na segunda metade do século 19 em Paris, e na direção dos modernistas dos anos 20 no Brasil, liderados pelo antropofagismo de Oswald de Andrade -–uma reivindicação de “estética contingencial” (aspas minhas). Uma arte em reação a uma situação transitória ou a um estado mais estrutural, determinista em alguma medida. Uma arte de proposição em relação a como reagir a uma condição ou circunstância (a de periferia que se impõe).

Não se tratava apenas de buscar uma identidade cinematográfica nacional, no sentido de uma idealizada pureza latente nessas identidades de origem, formação e de Estado, mas uma identidade contingencial, híbrida, multiforme e paradoxal, derivada da condição política, cultural e histórica dos realizadores, ou seja, uma estética em sintonia com sua condição de momento e de lugar na periferia econômica, que transforma a condição de subdesenvolvimento na própria forma criativa.

Se em outros momentos históricos e em outras caminhos estilísticos do cinema brasileiro anteriores aos anos 60, a condição periférica nacional era um reflexo, mesmo ou principalmente em seus projetos de industrialização dentro do possível (Cinédia, Atlântida, Vera Cruz), a partir dos anos 60 e, sobretudo, em sua segunda metade, a condição periférica torna-se matéria e forma de expressão, não somente um sintoma ou matéria-prima do cinema. Talvez somente em chanchadas específicas essa condição se torne parte de uma reação consciente.

Essas energias intelectuais e artísticas, paralelamente a um avanço acadêmico no campo da comunicação e das ciências sociais, encontravam no campo político oficial um progressivo fechamento. Havia uma espécie de dupla hélice, com as cabeças críticas abrindo portas e as cabeças com capacete fechando as trancas. Os filmes avançavam fronteiras, mas a censura afiava as tesouras. A classe média por um lado só queria saber de conservar o conquistado e comprar casas, eletrodomésticos e carros, procurando o sentido de estabilidade material no futuro, mas parte dela estava também crítica a isso tudo, não somente no campo artístico. Dois para lá, um para cá.

O melhor da produção artística e intelectual, em vários campos, conviveu com o pior da mentalidade troglodita. No cinema, criadores e pensadores libertários e contundentes, como Glauber Rocha nos textos-filmes e Jean-Claude Bernardet em artigos-livros, mantiveram-se alertas, ruidosos e independentes até serem calados, com exílio ou cassação, com a proibição de expansão de suas potências, vozes e palavras. A informação estava cada vez mais circulante, ainda que fosse controlada, de uniforme verde ou por quem estivesse a serviço dos uniformes, hinos e slogans de unificação da pátria.

Foram anos de Estética da Fome, manifesto de Glauber, em 1965, “texto oral”, nascido em uma fala lida para ouvintes europeus e transformada em emblema de uma identidade de terceiro mundo; e também anos de Brasil em Tempo de Cinema, de Bernardet, em 1967, livro no qual o crítico-analista expõe a condição de classe média nos enfoques de filmes dos anos 60. O cinema brasileiro, nas imagens e palavras, nos filmes e ideias, tudo assim interpenetrado, tinha suas fissuras internas.

Se a ditadura ditava um rumo único, o cinema dividia-se, como classe e atitude mental, em direções e sínteses conflitantes. Inventava sua liberdade de reflexão. Os filmes e as críticas são expressões desse ambiente no qual a liberdade formal e de pensamento entra em contrafluxo com as condições de suas manifestações e irradiações. Críticos e cineastas exercitam-se com energia e com disposição, com arrogância eventualmente, sem baixar a cabeça ou as ambições. Não há, porém, uma “frente”. Tudo é muito dialético.

Não se consegue entender a década de 60 no cinema brasileiro, principalmente após 64, sem assumir o plano e contraplano do campo cultural e valorativo daqueles primeiros anos posteriores ao golpe. As bases nos quais os filmes são julgados e analisados estão em construção e em reforma. Nos artigos e resenhas de Moniz Vianna, Sergio Augusto, Eli Azeredo, José Carlos Avellar, José Lino Greenewald, Mauricio Gomes Leite, Rogerio Sganzerla, Francisco de Almeida Salles, Paulo Emilio Salles Gomes e Jean Claude Bernardet, entre outros, há uma batalha de critérios valorativos.

Um novo cinema, em relação de particularização e de familiaridade com os “novos cinemas”, compostos de novos diretores e modos formais de filmes franceses, italianos, suecos, tchecos e japoneses, solicita outros métodos críticos. Não se tinha mais à frente uma narrativa em busca de legibilidade, clareza, equilíbrio e capacidade de envolver o espectador, mas sucessões de fragmentos e tempos internos desses fragmentos estranhos a um modelo narrativo familiar.

Esse novos cinemas, consequentemente, pedem nova crítica. Não novos críticos somente, mas novos métodos de análise, novos olhares, novos meios de se deixar sensibilizar e de acionar a cognição diante de estímulos com intenções diferentes dos filmes anteriores a segunda metade dos anos 50, com intenções mais expressivas que de comunicação emocional, com influências de Brecht e Godard, com desconfianças em relação às estratégias de ilusionismo, vistas como engodo ideológico na invisibilidade alienante de seus procedimentos  para manter a impressão de continuidade e lógica.

Esse novo cinema no Brasil, que conviveu com outros de propostas mais voltadas a uma comunicação pelos “gêneros” (comédia, policial), expunha seus artifícios, sem, necessariamente, quebrar completamente com a tradição narrativa. Ainda se contava uma história, ainda havia personagens, evolução dos fatos, uma lógica de encadeamento das partes, mas com ruídos e exposição de fissuras, dúvidas, ambiguidades e indefinições, sem com isso tirar dos diálogos a missão de emitir comentários e conclusões sobre aspectos do Brasil.

O que temos nas telas desses anos?
Olhares de São Paulo e do Rio, filmes mais e menos canônicos.
Glauber Rocha em sua obra-prima sob regime militar e de acerto de contas com o golpe.
Nelson Pereira dos Santos em um filme de contingência (por isso revelador) sobre o comportamento da elite carioca.
Walter Lima Jr. em um filme de ideia anterior ao AI-5, de simbolismos com o “surrealismo nacional” (grifo meu), mas realizado e lançado imediatamente após o Ato Institucional.
Maurice Capovilla e Francisco Ramalho Jr. em filmes paulistanos de estreia na ficção, com modelos e manequins no centro de um universo no qual o corpo feminino rima com dinheiro.
E o trio paulista José Mojica Marins, Ozualdo Candeias Luís Sergio Person, no prosseguimento de seus primeiros filmes, cada com qual com um episódio, em um conjunto no qual o terror parece muito próximo daqueles dias.

Ação!

Cleber Eduardo
Curador

 TEMÁTICA EDUCAÇÃO

CINEMA, AUDIOVISUAL E EDUCAÇÃO
Unir as linguagens cultura, audiovisual e educação é uma das metas da CineOP que conta com a participação de acadêmicos, pesquisadores, historiadores, estudantes e público interessado em apresentar e conhecer experiências criativas.

Na 8ª edição da CineOP, a educação  como instrumento de análise e fomento da cultura audiovisual dará a tônica das discussões e reflexões das mesas de debates, encontros e diálogos entre gestores da cultura e do audiovisual, profissionais da educação, agentes e representantes dos poderes públicos privados, entidades e Universidades.

Promove debates, exibições e encontros alusivos a Temática Educação. Apresentar ações, estabelecer diálogos e aproximar o cinema e a educação, a história e a preservação do patrimônio audiovisual brasileiro fazem parte da programação do evento.

A Temática Educação agrega, a cada ano, pesquisadores e profissionais do setor e sedia, anualmente, a realização do V Forum da Rede Kino – Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual.

A importância estratégica da interdisciplinaridade será foco do debate “O Estado Brasileiro, o Audiovisual e a Educação em Tempos de Compartilhamento”. A mesa reunirá representantes do Ministério da Cultura, do Ministério da Educação para discutir, juntamente com a ABPA – Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, o que se entende por preservação hoje no Brasil, quais seus agentes, objetos, conceitos, formação, campos de trabalho, instituições, órgãos de classe e resultados e como se configura o diálogo com a educação.

Diversas iniciativas com foco na formação de professores, em produções realizadas por crianças e adolescentes na Educação Básica e o papel dos festivais como ponto de encontro e difusão serão discutidas na mesa “Cinema e Educação: Experiências Criativas”.

Já o debate “Experiências Latino-Americanas de Cinema com Crianças” abordará o ensino de cinema nos subúrbios das grandes capitais e nas aldeias indígenas, com ênfase na metodologia do projeto Vídeo nas Aldeias, que já completou 27 anos.

Este ano, dois convidados internacionais participam da programação da Rede Kino. Débora Nakache, representante do Festival Hacelo Corto, da Universidade de Buenos Aires e Ignacio Agüero,  professor da Universidade do Chile e diretor do documentário “Cien niños esperando un tren”.

Adriana Fresquet e Inês Teixeira
Colaboradoras – Temática Educação
Coordenadoras da Rede Kino
 
HOMENAGENS
Walter Lima Jr – Temática Histórica
Jurandyr Noronha – Temática Preservação