O PASSADO PELO PRESENTE

Os materiais de arquivos, sejam fotos, filmes, desenhos ou sons, remetem ao passado. Quando usados no cinema, porém, são questões do presente. Ou de como o presente do cinema recorre a materiais do passado para construir evidências sonoras e visuais na conexão com outros tempos históricos e colocá-los em relação com a contemporaneidade de onde se lança o olhar. Em um momento no qual tantos filmes pelo mundo estão usando arquivos pessoais e familiares, além dos disponíveis na internet e nos acervos públicos e privados, os arquivos levantam  questões recorrentes na discussão sobre cinema.

Até onde a profusão e maior acesso não resultaram em facilidade sem rigor na utilização dos materiais de arquivos? Até onde são empregados como uma proposição estética? Até onde são fundamentais para as narrativas? O arquivo é de fato um modo expressivo ou se tornou uma moda a qual se segue sem reflexões? Essas são perguntas ainda mais pertinentes em um evento voltado à memória e à preservação como é a Mostra de Cinema de Ouro Preto. De largada, pode-se afirmar: tudo depende das escolhas dos filmes no estabelecimento com essas relações.

Estimulado por todas essas interrogações, a CineOP lança em sua 20ª edição o Prêmio Preservação, que, entre outros segmentos, premiará um dos cinco filmes contemporâneos programados para a Mostra competitiva Arquivos em Questão. O objetivo é destacar com a premiação o filme com melhor aproveitamento dos arquivos exibidos, seja pela pertinência da utilização, seja pela importância e expressividade das imagens e outros materiais, seja por como os arquivos são essenciais e estruturantes para a obra. Um júri de três pessoas fará a escolha depois de avaliar cada um dos filmes em sessões presenciais.

Os cinco filmes programados para esse segmento têm variações. Há dois deles centrados em figuras históricas do cinema brasileiro, Luís Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet em Ruminantes e Jorge Bodanzky (por ele mesmo) em Um Olhar Inquieto, documentários nos quais a memória de hoje em relação ao passado está carregada de afeto e de informações. Se isso os une à primeira vista, seus princípios não só os distanciam, mas também os opõem.

Um Olhar Inquieto é a memória elaborada por meio de umas tantas imagens inéditas e pela voz em primeira pessoa de um cineasta na relação com seus  processos de aproximação mediada por uma câmera com territórios e pessoas. O cineasta é onipresente, em certo sentido, é o olhar das imagens e sua consciência (na narração). Ruminantes parte de uma ausência, a de um filme nunca realizado e a de seu cineasta morto, portanto, um parceiro criativo e a filha do cineasta conduzem as memórias, com documentos e imagens de outros filmes procurando oferecer evidências para compensar as ausências do filme e do diretor.

Nos demais filmes programados, temos fenômenos culturais/sobrenaturais (Itatira) e sociais (Paraíso), além de uma investigação sobre a vida e a morte do pai do diretor (Meu Pai e Eu). Nada os torna comparáveis por analogias, somente por diferenciações. Itatira coloca um dado território em relação simbiótica com um fenômeno sem explicações fáceis. O arquivo entra como testemunha do fenômeno reverberador do filme. Paraíso promove um inventário fragmentado de imagens e discursos históricos e contemporâneos de uma sociedade racista e escravocrata como a brasileira. Meu Pai e Eu investiga por meio de cartas, poesias, fotografias e entrevistas o que talvez não possa ser explicado por meio de supostas evidências de algo.

Cleber Eduardo
Rubens Fabricio Anzolin

Curadores