Sonoridades, memórias e paisagens em múltiplas experiências
O conjunto de curtas contemporâneos exibidos na Praça nesta 18ª edição da CineOP apresenta uma diversidade de formas e abordagens para dizer de arquivos, presenças, histórias e ausências compartilhadas. Alguns deles trazem diálogos – por vezes mais, por vezes menos diretos – com a temática histórica, articulando a presença, a invenção e a sensibilidade negras com e na música. Outros, olham para nossa história, numa invenção de arquivos e em entrelaçamentos temporais que nos ajudam a elaborar os traumas e outras experiências coletivas brasileiras.
A primeira sessão aborda facetas distintas da música e da experiência brasileira por meio de três documentários. A Bata do Milho, dirigido por Eduardo Liron, realizado em São Bernardo do Campo (SP) e Serra Preta (BA) tem um olhar arguto e afetuoso para contemporaneidade de uma prática ancestral: a dos cantos de trabalho. O curta carioca Arruma um pessoal pra gente botar uma macumba num disco, de Chico Serra, organiza imagens de arquivo, memórias e análises de sambistas e estudiosos para nos trazer o compositor Getúlio Marinho, um dos pioneiros a assumir os cânticos e ritmos de rituais afro-religiosos como possíveis para difusão popular em disco para além dos terreiros. Encerrando a sessão, o também carioca A jornada do Valente fabula uma imagem possível, performada pelo ator Wilson Rabelo, diante da ausência de registros pictóricos de um dos principais compositores da música brasileira, Assis Valente.
A segunda sessão de curtas contemporâneos na praça começa com um filme realizado em Ouro Preto. 20 Giros é dirigido por Leo Lopes e traz como protagonista o “Seu” Itatiaia, guardião do relógio do Museu da Inconfidência e que nos conta, com sua sofisticação peculiar, as relações entre tempo, música, memória e pertencimento. Logo na sequência, Através da cidade invisível, curta-metragem paulistano dirigido por Paulo Grangeiro que entrelaça cultura fílmica e cultura urbana numa defesa emocionada do Cinema Brasileiro, por meio da rememoração da presença de um dos nossos maiores cineastas e intelectuais deste campo, Carlos Reichembach. O também paulistano Cicatriz Tatuada, dirigido por Eugênio Lima, Gabriela Miranda e Matheus Brant, nos apresenta uma fabulação em torno de um encontro de indígenas e pessoas negras que revisitam as memórias do nosso país em sua própria perspectiva. Encerrando a sessão, dirigido por Rodrigo Ribeiro-Andrade e realizado em Florianópolis, Rio de Janeiro e São Paulo, Solmatalua entrelaça arquivos e presenças, ancestralidades e futuros imaginados em um território imagético-sonoro habitado por uma polifonia negra.
Para a última sessão da Mostra Contemporânea de curtas, a diretora Bruna Schelb Corrêa nos traz uma abordagem peculiar das temporalidades em Temos muito tempo para envelhecer,. Realizado em Cataguazes e Juiz de Fora, o curta faz uma elaboração sobre o período de confinamento na pandemia num “quase” filme de época. Dirigido por Igor Barradas e realizado em Duque de Caxias (RJ), O Vôo também se debruça sobre nossa história recente em um exercício especulativo sobre o fim deste mundo. “Nada Haver” de Juliano Gomes, traz uma articulação sensorial com arquivos sobre as (im)possibilidades dos desejos e corpos nas paisagens urbanas e imaginárias. Encerrando a sessão, Nossa Mãe Era Atriz nos apresenta Maria José Novais Oliveira, a Dona Zezé, presença constante em produções da Filmes de Plástico em um retrato íntimo e amoroso dirigido por seus próprios filhos, André e Renato Novais Oliveira.
Tatiana Carvalho Costa
Curadora