Produções contemporâneas de memórias
A Mostra Contemporânea da CineOP em 2023 conta com oito filmes em sessões presenciais e dez filmes em sessões online. A soma dos 18 títulos, 16 longas e dois médias metragens, têm algumas ênfases, alinhavadas com as prioridades da CineOP. São filmes imbuídos da valorização da memória, do uso dos arquivos visuais, audiovisuais e sonoros, da palavra como instrumento de atualização do passado, às vezes centrados em pessoas, em lugares, em situações históricas, em revelações, investigações e ocultamentos. Treze dos 18 filmes lidam, de modos distintos, de maneira menos ou mais direta, com áreas da cultura, com arte e artistas, do teatro, da televisão, da música, do cinema e da dança. Em parte, isso pode ser visto como uma das tendências documentais de nossa produção no país: reverenciar a própria arte e cultura brasileiras. Menos ou mais legitimadas.
Em um ano cuja Temática Histórica está centrada nas imagens da música preta no Brasil, músicos e músicas – não só de pessoas negras – estão mais evidentes como universos e como vivências dos filmes, com cinco títulos encarregados de lidar com diversos ângulos de suas manifestações. Também há filmes que, sem lidar diretamente com a arte, lida com a arte de viver e de sobreviver, seja em razão da condição social, seja em virtude da circunstância política e histórica. Esse conjunto é um interessante e rico recorte sobre as maneiras, nunca homogêneas, que o cinema brasileiro olha para seu passado e produz memória com esses olhares. A importância da palavra, maior expressão de memórias pessoais e coletivas desses filmes, não é exclusiva, mas certamente primordial. No começo, havia a palavra e, por meio dela, uma memória.
Auto Imagem, Alta Imagem
Um longa e um média-metragem documentais compõem estesegmento na programação contemporânea online.Se a performatividade do corpo e a imagem dessa performatividade são uma constante ampla na cultura afro diaspórica brasileira, encontramos isso em terrenos e intencionalidades diferentes em Uma Tarde para Tirar Retratos, de André Sandino Costa, e Ijó Dudu – Memórias da Dança Negra no Brasil, de José Carlos Arandiba Zebrinha. Em ambos, o corpo é ritualizado pela dança (mas não somente), colocado em uma estética, em uma coreografia, em uma pose ou em uma cena. Corpos de dançarinos, falas de dançarinos, não dançarinos somente, mas dançarinos negros e gays, acima dos 40 anos. Não se trata de celebração de corpos orgânicos ou naturais, da natureza física em sua potência, mas de corpos em construção e criação, com suas vestimentas, com sua falta de roupa, com suas danças, com seus músculos, ondulações, tom de pele e com seus ritmos.
Há nessa proposta, a partir das propostas dos filmes, uma “afirmatividade”. É necessário para os dois documentários, na biopolítica audiovisual de nosso tempo histórico, elaborar as próprias imagens, imagens próprias, próximas e integradas à ocupação de espaços, telas e imaginários, mas também responsáveis pela revelação de existências e manifestações apagadas, assim produzindo memória audiovisual onde antes a memória era oral ou era perdida. É com um olho para agora e, no agora, com um olho para um percurso mais amplo (passado e futuro), que esses dois filmes, cujos vínculos entre si são sutis sem deixarem de ser diretos, encontram-se na programação. Se a Temática Histórica centra sua abordagem na música preta no Brasil, a dança preta é sua vizinha imediata e sem a qual essa musicalidade não faz sentido, perde seu valor de reverberação
Uma Tarde para Tirar Retrato tem um disparador espacial e estético: uma reunião de dançarinos negros e gays em um apartamento para construir imagens fotográficas do grupo, com investimento visual no corpo, na pele e nas palavras. Os corpos reunidos pelo afeto e pela arte falam de afro-futurismo, da vivência queer, da transcendência do ser negro pela arte, do preconceito com as danças afros. Embora estejam ligados à dança e a música, ao movimento, estão com os corpos mais estáticos. Apesar da imagem ser algo central, é a palavra que nos conduz.Essas palavras, porém, são imagens. Não apenas no sentido literal, de construírem imagens, mas no sentido simbólico, de, por meio do que falam, montarem as imagens de si mesmos, sempre positiva (“Sou feliz”, é a última frase).
Ijó Dudu – Memórias da Dança Negra na Bahia é composto de uma sucessão de breves autobiografias de experientes dançarinos que, com posse da palavra nas entrevistas, colocam a memória em movimento e armam uma genealogia da arte negra do corpo, com suas hereditariedades culturais, com suas transmissões entre gerações e com as narrativas de um efervescente ambiente artístico no começo dos anos 70, em Salvador. A palavra é empregada como expressão de organização histórica e de autodefinição, estimulando a afirmação de quem são e de suas origens, a conscientização histórica e política por meio do corpo em dança. É um ritual calmo de celebração dessas figuras humanas fundamentais para uma manifestação artística.O racismo é uma constante nas memórias, sobretudo em se tratando da dança, uma atividade tradicionalmente branca em sua formação. Em algumas falas, ecoa o discurso da arte como salvação, transcendência e como autoestima social. Sobretudo, como possibilidade, perspectiva e horizonte, como lugar a ser ocupada pela gente preta.
Perfisda cultura preta
Se o desafio desta edição da CineOP implica evidenciar os pontos de contato entre a música preta no Brasil e a memória cinematográfica, é preciso também considerar que existem hoje, no agora, registros que buscam a invenção de uma poética por meio dos gestos e manifestações artísticas fundadas no passado. Isto é, enquanto Mostra Histórica da CineOP lança luz à música preta no Brasil tanto no campo do audiovisual como nas práticas mais populares, sejam elas a internet ou as mídias sociais, a Mostra Contemporânea registra alguns símbolos importantes desse legado, olhando para as marcas da história e deixando também uma ponte para o futuro.
A presença de dois filmes na seleção deste ano, Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor, de Alfredo Manevy, e Diálogos com Ruth de Souza, de Juliana Vicente, demonstram um reforço de que o patrimônio da cultura brasileira preta – de todas as cores, mas aqui, justamente, preta – permanece não apenas vivo, como também cotidianamente ressignificado ao longo dos tempos. Se, por um lado, Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredornos apresenta as mais diversas facetas do mítico compositor gaúcho (1914-1974) a partir de raras imagens de arquivo, Diálogos com Ruth de Souza nos coloca frente a frente com uma das grandes damas da dramaturgia brasileira, tendo sua imagem materializada no contemporâneo. Entre distâncias e aproximações, ambos os filmes dão conta de revisitar aquilo que chamamos de emblema, ou seja, Ruth e Lupi são não apenas personagens ou registros históricos, mas sobretudo se confabulam como insígnias, representantes ímpares de um fazer artístico preto que exerceu influência substancial em seus respectivos meios artísticos.
No longa de Manevy, nota-se o caráter da história de forma bastante clara, arejada por uma montagem que constrói não somente um herói, mas um sujeito. Com isso, o filme articula seus elementos dando vazão às complexidades que fundaram o mito cultural do músico, como sua intrínseca relação com a boemia, a paixão pelo futebol e as incontáveis agruras amorosas. A partir de sua figura, oriunda da era do rádio e sem muito apelo televisivo, os registros históricos remontam uma espécie de quebra-cabeças que abraça as mais distintas facetas do artista, sobretudo quando a obra visita aqueles que foram influenciados por Lupi, como Caetano Veloso, Elza Soares, Jamelão e tantos, tantos outros. Na complexidade da imagem de um fantasma, cujos registros até então eram praticamente inéditos, Manevy visita uma história nãooficial tanto do Brasil como de sua canção popular, a partir das complexidades criativas e emocionais de seu personagem.
Já o longa-metragem de Juliana Vicente apresenta uma característica um tanto quanto diferente, mas ainda assim substancial na representação de uma história artística preta no país. Enquanto Manevy concebe seu filme a partir do registro daquele personagem, Juliana abastece suas imagens com a corporeidade inconfundível da atriz Ruth de Souza. Nesse sentido, o que chama atenção para a construção de uma memória é a própria presença desse emblema no presente, um emblema material, físico sobretudo, que é capaz de ser porta-voz do contingente de vivências que aglomera em si própria. O registro da atriz, portanto, conduz a experiência do cinema para uma temporalidade especial, em que as marcas da idade e os traços da pele materializam a presença da história.
Outra obra que abraça a memória musical da cultura preta brasileira é o longa-metragem Elton Medeiros – O sol nascerá, de Pedro Murad. No filme, revisitamos a imagem de Elton Medeiros, célebre compositor carioca falecido em 2019, conhecido também por ter sido um dos grandes parceiros de Paulinho da Viola. Conforme ocorre no longa-metragem de Juliana Vicente, a imagem de Elton Medeiros como insígnia e emblema também está materializada na tela, de modo físico, mesmo que, aqui, ao lado de seu último grande parceiro, o músico carioca Vidal Assis, esta imagem seja o reflexo de uma melancolia suave e solene. Ao contrário dos registros de Manevy e Vicente, o retrato feito por Pedro Murad possui uma energia lenta e solene, abraçando pouco a pouco um dos últimos momentos de vida de um dos gênios da música popular brasileira, e capturando assim a presença magistral de sua ousadia e sonoridade. A cena final, onde Elton usa uma caixinha de fósforos para servir de instrumento de percussão, é um dos planos mais expressivos dessa seleção da 18ª CINEOP, aliando a memória do músico com a força de sua presença, que escorrerá eternamente nos ouvidos e olhos do público.
Há aindaoutro filme que se insere diretamente no contexto da representatividade artística da cultura preta brasileira, o média-metragem Caixa Preta, dirigido por Bernardo Oliveira e Saskia. O filme não somente conversa diretamente com o contexto atual da música brasileira, como constrói, com uma montagem inspirada nos ritmos musicais pretos – do funk-soul aos coros de Igreja – uma experiência sensorial singular, emulando a própria “caixa preta” do título, em referência direta à sala do cinema, para ilustrar ao espectador tanto as manifestações e tecnologias musicais pretas como os efeitos, traços e confrontos raciais que a abarcam. Com traços muito marcantes inspirados na videoarte do americano Arthur Jafa, Bernardo Oliveira e Saskia (que, em união com o músico carioca Negro Leo, compõem o grupo de criação musical Ciranda do Gatilho) fazem da experiência de estar na “caixa preta” uma radical conversa com o legado musical – que vai desde os idos da história até as influências de figuras como Ruth de Souza e Lupicínio Rodrigues.
Apostando nas influências do passado, mas sem nunca deixar de ressignificá-las, esses três filmes são capazes de, a um só tempo, oferecer diferentes prismas da música preta no Brasil de hoje e, sobretudo, viabilizar hipóteses importantes de como – e com quais tecnologias, conflitos e conversas – ela pode dialogar com o futuro.
Artistas às margens e construções de mitos
No mostra contemporânea da CineOP, salta aos olhos a grande quantidade de obras que possuem como motor narrativo o fazer artístico de seus personagens. Reconhecidos ou não pelo grande público, os artistas presentes nesses filmes ratificam uma aposta no gesto de filmar o outro a partir de suas criações, concebendo um contraste importante que se dilui por meio de seus contextos. Enquanto, em alguns casos, as obras abordam os mitos (e suas mitologias), em outros é o esquecimento que está em pauta, explorando pela memória geografias e vivências adormecidas pelo tempo.
Uma das importantes obras desta edição que recorre à imagem de um gênio da cultura brasileira é Antunes Filho: Do Coração para o Olho, de Cristiano Burlan. O documentário do diretor paulista remonta às empreitadas do dramaturgo à frente e atrás das câmeras, com suas passagens pelo cinema e pelo teleteatro estando em evidência. Com uma utilização lírica dos arquivos, que tomam conta de quase todo filme, é possível compreender e observar o pensamento de Antunes Filho navegando por diversas frentes, e alimentando ainda mais as ideias que lhe serviam de aspirações artísticas. Ao longo do tempo, o cineasta trafega por diferentes registros do dramaturgo, condensando seu pensamento e intercalando-o com o conjunto das obras, o que possibilita não apenas uma cristalização de forma e conteúdo a partir dos registros de Antunes, como também a concepção de uma mitologia própria de seu legado e autoria.
Já Lô Borges – Toda Essa Água,de Rodrigo Oliveira, que terá estreia mundial na CineOP, versa sobre as histórias e lendas que cercam a construção de um dos mais importantes álbuns da música brasileira, o LP Lô Borges (1972), apelidado popularmente de Disco do Tênis. Entre as memórias do passado e as imagens do contemporâneo, o cineasta é capaz de embalsamar ainda mais a imagem já celebrada do lendário compositor mineiro, fundador do Clube da Esquina. As canções que ficaram populares na década 1970 retornam agora com um subtexto ainda maior, pois o filme permite que se crie um novo imaginário acerca das composições já celebradas, fazendo da mitologia de Lô Borges um universo a ser redescoberto e revisitado.
No entanto, se existem os filmes que lidam com o fazer artístico aclamado, o segmento contemporâneo da CineOPtambém apresenta obras cujos protagonistas não permaneceram em tamanha evidência. É o caso dos longas-metragens Primo da Cruz, de Alexis Zelensky, e O Sucesso e o Abstrato, de Virginia Simone e Matheus Walter. O primeiro aborda o cotidiano do ex-presidiário Primo da Cruz, condenado a dez anos de reclusão por formação de quadrilha e assalto à mão armada, um sujeito que, ao sair da cadeia, passou a obter um reconhecimento mínimo no mercado das artes contemporâneas, com as pinturas que fazia em diversos suportes e materiais encontrados pelas ruas. Durante seu trajeto, o filme acompanha não somente as dificuldades que o artista enfrenta para manter-se distante da criminalidade, como sua imaginativa e nada óbvia práxis artística, em um misto efervescente de realidade e necessidade de fuga por meio da imaginação. Antes de mais nada, é um filme importante para pensar o Brasil de hoje, e as distâncias que as margens impõem entre o fazer artístico e a necessidade de se manter vivo, no corre.
O Sucesso e o Abstrato, por sua vez, conta a história do baixista gaúcho Flávio Chaminé (1950-2004), espécie de ás musical para a cena da época, mas que, com o passar dos anos, deixou de ter seu nome reconhecido. Na contramão do mainstream, os cineastas procuram introduzir sua imagem e seu legado a partir de depoimentos daqueles que foram influenciados por Chaminé, numa tentativa de relocalizar sua imagem à margem para materializar de forma mais contundente o mito.
Por fim, Ópera Cabaré Casa Barbosa, dirigido por Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques, celebra o mundo dos mitos por meio das histórias das margens. O filme conta a história da importante casa de shows chamada Ópera Cabaré, localizada no Bixiga, em São Paulo, que durante os anos 1970 e 1980 recebeu inúmeros artistas importantes em seu palco. De Zé Keti e Clementina de Jesus até Cartola, Nelson Cavaquinho, músicos e compositores fizeram barulho no local. Hoje fechado, o antigo Ópera Cabaré dá lugar à Casa Barbosa, casa que hoje se localiza na mesma região de São Paulo. Lá, por meio de uma fita antiga das apresentações feitas na casa de shows, seis artistas são convidados a viajar no tempo através das vozes carregadas de outrora. O filme, a um só tempo, alia as lembranças daquela importante morada musical a seus efeitos no presente, e retrata o impacto de (re)conhecidas vozes no tempo de hoje. É quando as margens conhecem os mitos, que, aglutinados, constituem uma memória permanente para o presente.
Especificidades culturais de outrora
A trajetória de artistas, a vivência de representantes de movimentos sociais e políticos e a relevância de projetos culturais mobilizados por grupos ou coletivos perpassam os cinco longas-metragens reunidos nesse segmento. O que há de específico em uma carreira traçada no campo do cinema ou na realização de um filme que se conecta com a especificidade cultural de um passado? De que modo determinados grupos buscaram reivindicar mudanças na dinâmica cultural de seu tempo?
O documentário O Cangaceiro da Moviola, dirigido por Luís Rocha Melo, recupera a trajetória artística do pernambucano Severino Dadá, importante montador de grandes obras do cinema brasileiro, como O Amuleto de Ogum (1975) e Tenda dos Milagres (1977), de Nelson Pereira dos Santos. A história de um indivíduo é amalgamada com a do cinema no país, sobretudo nos anos 70.
Procura-se Meteorango Kid: Vivo ou Morto, codirigido por Marcel Gonnet e Daniel Fróes, revisita o processo de feitura do longa Meteorango Kid, o Herói Intergalático, de André Luiz Oliveira, lançado em 1969. Somos instalados nas memórias de uma época efervescente – no comportamento, na cultura e na política – na virada dos 60 para os 70. O documentário costura informações sobre a relevância do filme para a história do cinema brasileiro, curiosidades sobre os bastidores e a perspectiva do diretor e de outros nomes que participaram do processo de realização da obra.
Confissões de um Cinema em Formação, de Eugenio Pupo, completa o trio de filmes sobre cinema, não se concentrando em pessoas específicas (como Severino Dadá e André Luiz Oliveira nos outros dois filmes), mas em um processo histórico-educativo entre os anos 60 e 70,principalmente, que procura compreender o percurso tomado pela formação de cinema no Brasil. O filme aborda várias frentes, como a influência de outros países nos processos formativos, os desafios para quem se inicia na realização, a aprendizagem no set, o conhecimento formal difundido por meio de universidades e salas de aula.
As décadas de 60 e 70 são um momento nevrálgico para o cinema, em sua história por meio dos filmes e nas próprias temáticas cinematográficas. Momento de Cinema Novo, Cinema Marginal, regime militar, guerrilhas, Tropicalismo. Não é diferente na programação da CineOP. O documentário Não É a Primeira Vez que Lutamos pelo nosso Amor, de Luís Carlos de Alencar, recupera histórias e depoimentos de ativistas e coletivos do movimento LGBTQIA+ que lutaram pela reivindicação dos seus direitos durante a ditadura militar no Brasil. É uma página menos conhecida dessa história.
Ambientado nesse mesmo período de repressão, o longa de ficção Zé, de Rafael Conde, acompanha a trajetória de um líder do movimento estudantil que viveu na clandestinidade e foi torturado até a morte durante os anos de chumbo. A juventude mergulhada na resistência armada à ditadura é também uma constante no cinema brasileiro. Conde se aproxima dessa situação por meio de um protagonista obsessivo de classe média, cujo idealismo leva-o a uma clandestinidade obstinada e aberta ao risco de morte em nome de suas convicções.
Elaborações de arquivos e memórias
Nesse outro segmento da programação contemporânea, três longas-metragens partem do acesso e uso dos arquivos e da busca pela memória – especulada – de um passado longínquo ou mesmo mais recente. São filmes que partem dos registros fílmicos como vestígios de salvaguarda de processos históricos ou de investigações individuais abertas para trânsitos dinâmicos e vivos com as memórias coletivas.
Filme Particular é fruto do olhar atento e curioso da realizadora e artista visual Janaína Nagata para a materialidade de um filme de 16mm que ela comprou na internet, de origem desconhecida. Nas imagens, cenas domésticas de uma família de pessoas brancas em viagem a um país africano. Após exibir na íntegra o filme encontrado, ela vai conectando as imagens analógicas a ferramentas digitais de busca e aplicativos de reprodução virtual de voz, para recuperar informações sobre o apartheid na África do Sul. É quase um filme de perícia visual, procurando relações e análises visuais capazes de nos revelar muito da colonização, sem o uso da palavra explicativa.
Codirigido por Aline Lata e Helena Wolfenson, o documentário Lugar Mais Seguro do Mundo é um filme de retorno. Segue a trajetória de um jovem, Marlon, que teve sua rotina transformada após o rompimento da barragem de rejeitos de minério na cidade de Mariana, Minas Gerais, em novembro de 2015, lugar/lar/território para onde retorna com um parceiro e com outras pessoas, sem aceitar um esquecimento e uma mudança de endereço simplesmente.
O desastre devastou o distrito de Bento Rodrigues, onde Marlon morava, soterrando a cidade, destruindo rios e matas e causando várias mortes. É um filme que acompanha o deslocamento do personagem com a perda de seu espaço e as dificuldades pelas quais ele e tantas outras vítimas ainda sofrem após o incidente.
O documentário Amanhã, de Marcos Pimentel, tem dois tempos. Conta com imagens filmadas em 2002, que apresentam crianças e adultos de classes sociais diferentes em uma região de Belo Horizonte, até as novas imagens de 2022, que filmam os mesmos personagens no tempo presente em um espaço urbano reconfigurado. Parte dos contornos das vidas são modificadas no intervalo de 20 anos, circunstância para questionar sobre os processos de transformação da capital mineira e a manutenção da desigualdade social.
Camila Vieira
Cleber Eduardo
Curadores
Rubens Fabricio Anzolin
Assistente curatorial