De 27 de junho a 9 de julho, um recorte especial da 18ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto estará disponível na plataforma Itaú Cultural Play.

A 18ªCineOP–Mostra de Cinema de Ouro Preto celebra a música preta no Brasil em seu recorte temático histórico, voltando-se para as memórias e para o presente de uma cultura musical de matriz africana, com seus desdobramentos e invenções locais, enfatizando e problematizando sua relação com o cinema e o audiovisual em geral, tanto aquele feito algumas décadas atrás quanto aquele realizado no contemporâneo, abarcando as intersecções entre as práticas mais populares das mídias sociais e da internet.

Diante de um recorte singular de obras, os filmes da 18ª CineOP proporcionam uma relação firme entre os personagens em cena e os seus respectivos legados artísticos. No entanto, na programação contemporânea, o foco na música preta, também presente, desdobra-se em outras direções, sempre procurando salientar a memória, os arquivos, os testemunhos orais e a preservação do que foi vivido, oferecendo, para filmes e artistas, uma sobrevida e um futuro.

O Lugar Mais Seguro do Mundo, de Aline Lata e Helena Wolfenson, é um exemplo dessa prática. No filme, o jovem protagonista retorna constantemente à sua casa e à sua cidade natal após ela ser destruída pela lama em Minas Gerais. É um caso particular e também sintomático, reflexo de uma problemática maior com o uso do solo pelas grandes empresas de mineração. Nesse sentido, é um filme que trata não somente da memória de um povo, mas também das pontes que ele pode alcançar tanto no agora como nos momentos que estão por vir.

Na seleção de filmes presentes na Itaú Cultural Play, a Temática Histórica da 18ª CineOP também se faz presente, entre curtas e um longa, filmes de décadas anteriores e fitas contemporâneas, cada qual com uma distinta aproximação da música preta no Brasil.

Personagem emblemático das artes brasileiras de qualquer época, mas sobretudo dos anos 70 e 80, Tim Maia é protagonista do documentário de Flavio Tambelini, de 1987, que, antes de celebrá-lo em sua importância artística com enfoque nacionalista, coloca-o em uma perspectiva pessoal, política e cênica, sem entrar em sua casa ou na performance de sua intimidade. Tim reflete sobre a criação musical, sobre o sofrimento amoroso e sobre a presença preta no Brasil, sobretudo no Rio, no banco de trás de um carro conversível em movimento: “A influência preta existe porque não temos olho azul. Eu sou preto, tenho influência preta. O Rio de Janeiro era Angola”, diz. É uma obra especial, que cristaliza momentos de genialidade do cantor brasileiro ao mesmo tempo que, por vezes, encontra um lapso de riso nas falas de Maia. Em poucos minutos, a quantidade inesgotável de camadas desse personagem torna-se perceptível, abarcando um espaço muito sintomático entre o riso, o choro, a dor e a glória.

Trem do Soul, documentário de 2021, tem um olhar direcionado menos para Angola e mais para os EUA, construindo uma memória da cultura dos bailes blacks nos subúrbios cariocas nos anos 70, exatamente naqueles grandes anos de Tim Maia e Tony Tornado (homenageado da 18ª CineOP). O filme celebra, por meio das vozes dos participantes daquele fenômeno cultural urbano e preto, a inventividade brasileira, mais especificamente carioca, ao criar, a partir da matriz estrangeira, tanto nos figurinos quanto nas coreografias dos bailes, sem deixar de alinhar-se com o viés político de afirmação dos pretos e pretas brasileiros.

Há ainda, presentes nessa programação para a Itaú Cultural Play, outros títulos que lidam com as musicalidades afro-atlânticas, menos por sua função social e mais pelo viés da diversão, ou por sua invisibilidade na cinemateca e na discografia de ícones artísticos brasileiros. Os cantos de trabalho de diferentes regiões agrárias dos interiores brasileiros, por exemplo, entoados como atenuantes dos esforços físicos, com misto de lamento e autoestima, são perfilados em Brasilianas: Cantos de Trabalho – Música Folclórica Brasileira, de Humberto Mauro, realizado nos anos 50, durante sua extensa permanência no Instituto Nacional de Cinema (Ince).

Embora tivesse intenções educativas quando produzido, o filme destaca-se por sua expressividade formal na relação das imagens com a música. É também uma importante extensão das fundamentações estéticas que Mauro, um dos mais influentes cineastas deste e de todos os tempos, é capaz de aplicar e difundir em meio aos distintos contextos da vida nos interiores do Brasil.

Essa importante referência estipulada pelo realizador brasileiro, natural de Volta Grande (MG), aliás, pode ser visto como modo de reverberação em um dos curtas-metragens também disponíveis na plataforma do Itaú, caso de A Bata do Milho (2022), de Eduardo Liron, cuja vivência dos trabalhadores do campo também é incorporada a inteligentes desdobramentos estéticos para retratar um cotidiano comum na vida dos interiores.

Além disso, se na programação da 18ª CineOP–e também nesse recorte para a Itaú Cultural Play–existem filmes que articulam muito declaradamente um caminho entre legado e história, ou seja, passado, presente e futuro, é porque as obras de hoje compreendem a memória como escopo para as criações do agora, formatando e produzindo novas forças estéticas a partir do que antes havia sido feito. Arruma um Pessoal pra Gente Botar uma Macumba num Disco(2023), de Chico Serrá, aborda justamente esse legado do passado olhando para frente, por meio do uso da música de rituais afro-brasileiros que se amplia para a cultura popular. Essa espécie de continuidade de legado produzida pela música preta no Brasil e por seus realizadores possui também outros desdobramentos, como é o caso de A Jornada do Valente (2022), de Rodrigo de Janeiro, que, pela poética dos arquivos fotográficos, oferece uma fabulação propositiva no confronto com imagens já inexistentes.

Assim, a 18ª CineOP expande seu olhar, abarcando os tempos passados e presentes, oferecendo ao espectador da plataforma Itaú Cultural Play uma parcela desse importante movimento de conversas com o legado.

Cleber Eduardo – coordenador curatorial da Mostra Contemporânea e curador da Temática Histórica
Tatiana Carvalho Costa – curadora Temática Histórica e curtas Mostra Contemporânea
Rubens Fabricio Anzolin – curador assistente