LUGARES DE MEMÓRIA: ACERVOS E ACESSO
Para o historiador Pierre Nora, são considerados lugares de memória tanto os aspectos materiais (arquivos e documentos), quanto os aspectos simbólicos (narrativas orais) e propriamente funcionais (instituições dedicadas à preservação da memória) que fazem com que a memória seja preservada. É por causa da existência desses lugares de memória e da intenção de guardar que a memória coletiva de um povo pode vir a ser elaborada. Em continuidade à proposta do Programa Nacional de Cinema na Escola, realizado durante a última CineOP em 2024, a Temática Educação deste ano está voltada para o aprofundamento do debate em torno do tema dos acervos e curadorias em sua interface com a educação, aqui considerados todos eles como lugares de memória.
Acreditamos que os acervos da América Latina constituem lugares de memória fundamentais para as práticas pedagógicas nos dias de hoje em que se discute uma educação digital. Nos referimos aos acervos pessoais, familiares, passando pelos acervos escolares e também aos acervos compostos por filmes realizados por cineastas. Estamos considerando, portanto, que tanto a escola, quanto a família, as comunidades, os territórios, os filmes podem se tornar lugares de memória que oferecem possibilidades pedagógicas fundamentais. Justamente por isso, acreditamos que essa discussão deva se dar em diálogo com as pedagogias que tanto os acervos quanto as curadorias nos inspiram a criar.
A tecnologia permite a produção e a preservação de arquivos audiovisuais desde o espaço doméstico até uma dimensão social e política. Por isso, a temática educação propõe que os acervos audiovisuais educativos sejam colocados no centro da cena. Para além dos filmes educativos, nos interessa que filmes que apresentem narrativas de mulheres, GLBTQIA+, povos indígenas, negros, do campo, periféricos sejam vistos e escutados e reelaborados no momento presente dentro e fora da sala de aula e da sala de cinema.
Em meio a esse contexto, apresentamos a necessidade de que políticas públicas sejam elaboradas no sentido da implementação do Programa Nacional do Cinema na Escola. Desde 2014, quando foi promulgada a Lei Federal 13.006, que determina a exibição de 2 horas de cinema brasileiro por mês nas escolas da educação básica, foi criado um grupo de trabalho para a implementação da lei, que elaborou metas a curto, médio e longo prazo para sua efetiva aplicação. No ano passado, avançamos com a proposta do Programa Nacional de Cinema na Escola entregue ao Ministério da Educação e ao Ministério da Cultura. Um dos pontos centrais do Programa é exatamente os acervos e curadorias. Além do acesso aos filmes, precisamos de pensar percursos pedagógicos e formas de compartilhar experiências em que os filmes possam ser utilizados nas escolas por meio de pedagogias próprias elaboradas pelos sujeitos da educação por meio de curadorias, exibição comentada de filmes e criação audiovisual.
Em 2024, completaram-se 60 anos do Golpe Militar e os arquivos da ditadura têm nos trazido a possibilidade de reelaborar a história haja vista a reverberação que houve em torno do filme Ainda estou aqui (Walter Salles, 2024). Portanto, a efeméride não é apenas uma data a ser lembrada. Sabemos que os problemas políticos que enfrentamos hoje estão diretamente relacionados com a anistia, de um modo específico, e com o apagamento do que significou a ditadura militar no Brasil. Por isso nos impulsionamos e buscar outros caminhos para que a ditadura e a tortura nunca mais aconteçam. Qual o papel da educação e do cinema para que a memória esteja viva nos dias de hoje na América Latina e que possamos trilhar outros caminhos dentro da democracia, reconhecendo as diferenças e as distintas formas de vida de seres humanos e não-humanos? Hoje, na América Latina, países democráticos fazem escolhas por governos de perfis totalitários. Como modificar essa situação?
Pretendemos chamar atenção para a importância do acesso público aos acervos audiovisuais que contam outras histórias das Américas, aquelas que a história única pretendeu apagar. A disponibilidade pública desse material nas escolas para que professores e estudantes possam criar outras narrativas, ou melhor, contra-narrativas, nos parece de fundamental importância neste momento.
Clarisse Alvarenga
Adriana Fresquet
Curadoras
PRÊMIO CINEMA E EDUCAÇÃO – MARIA ANGÉLICA DOS SANTOS
Como parte das comemorações dos 20 anos da CineOP, nesta edição, será concedido o Prêmio Cinema e Educação à educadora Maria Angélica Santos. Esta homenagem reconhece sua trajetória dedicada à integração do cinema no ambiente escolar, promovendo a alfabetização audiovisual e a formação crítica de alunos e professores.
Maria Angélica dos Santos é daquelas pessoas que fizeram da vida pública um exercício cotidiano de sensibilidade, escuta e compromisso com o bem comum. Servidora pública por quase cinco décadas, sua trajetória está profundamente entrelaçada à construção de políticas públicas de cultura e educação em Porto Alegre, deixando marcas vivas em instituições, programas e, sobretudo, nas pessoas com quem trabalhou.
Mais que uma homenagem, este prêmio é um gesto de preservação da memória de uma agente pública que fez do cinema uma política de afeto e de resistência. Em tempos de tanta fragmentação e desmonte das instituições culturais, suas palavras nos lembram que é possível cultivar políticas duradouras quando se trabalha com coragem, imaginação e presença. Maria Angélica é exemplo vivo de que é possível educar e transformar pelo cinema — e com ele —, com firmeza, delicadeza e horizonte coletivo.

Debates
Apresentação de projetos audiovisuais educativos e debate
Diálogos da Educação
Masterclasses
MOSTRA EDUCAÇÃO
Em 2025, a Mostra Educação aborda o tema Lugares de memória: acervos e acessos, enfatizando experiências em que o audiovisual e a educação apontam para uma relação inventiva com a memória das escolas e suas comunidades, com os arquivos, acervos e as curadorias, apresentando diversas formas de experimentação sonora e imagética.
A convocatória, aberta ao público e divulgada amplamente pela plataforma da Universo, recebeu 115 filmes oriundos de diversas regiões do Brasil e da América Latina. Conforme o Edital, foram aceitas obras realizadas em contexto educacional, com a participação de estudantes, educadores e cineastas. Puderam participar filmes de quaisquer gênero cinematográfico ou modalidade de criação, com exceção dos filmes institucionais ou publicitários, que foram desclassificados. As obras deveriam ter até 03 minutos de duração, e os filmes estrangeiros deveriam obrigatoriamente ter legendas em Português.
Como de costume, os filmes foram agrupados em duas sessões, sendo uma delas voltada para as obras que abordam as relações do cinema com as infâncias, e a segunda voltada para as obras realizadas por/com jovens em diferentes contextos.
Os filmes selecionados recriam visualmente a memória de experiências individuais e coletivas dos sujeitos da escola. Alguns abordam emoções e percepções pessoais que constituem a identidade e a narrativa própria de cada um. Outros revelam o desejo de construção da memória da instituição por meio da reinterpretação de documentos e da produção de relatos orais com o intuito de construir uma história viva, reconhecidamente dinâmica e marcada por questões do presente. Esses registros nos ajudam a lembrar que a escola não é somente uma organização historicamente estabelecida para difundir o conhecimento socialmente validado, mas o resultado do fazer cotidiano de diferentes agentes em suas intrincadas e variadas relações, em um processo continuamente cambiante de construção social.
Se, como sugere Chris Marker, “filmar é lembrar, mas também inventar a memória”, os curtas-metragens oferecidos nesta edição inventam memórias de territórios escolares e cotidianos entrelaçando os olhares singulares das crianças e jovens. Dar a ver esses cinemas é revelar experiências, medos e sonhos das infâncias e adolescências latino-americanas.
Coordenação da Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual – Rede Kino
SESSÃO FREI BETTO
Frei Betto é referência na educação popular e na aplicação do pensamento de Paulo Freire em processos de formação política e social. Sua atuação como educador e militante inspira práticas transformadoras no Brasil e em outros países, como Cuba. O documentário A Cabeça Pensa Onde os Pés Pisam revela essa trajetória e reafirma o papel do cinema como ferramenta de memória, formação e consciência crítica, temas que se comunicam diretamente com a temática proposta no Encontro da Educação e na 20ª CineOP.
SESSÃO ROBERTO SMITH
Roberto Smith, membro do Instituto Cubano da Arte e Indústria Cinematográficos (ICAIC) desde 1979 é integrante da equipe diretiva e de programação do Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano. Destaca-se nas áreas de pesquisa social, promoção e distribuição cinematográfica. Convidado a ministrar a masterclass “Olhares para a América Latina: Acervos e Liberdade (Cuba)”, Smith escolheu o curta-metragem documental Pela Primeira Vez (1967), dirigido por Octavio Cortázar para ser exibido no contexto da masterclass, que acompanha uma das ações do ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos) voltadas à democratização do acesso ao cinema após a Revolução Cubana.
Será exibido ainda o longa-metragem Conduta (2014), de Ernesto Daranas, como parte das exibições presenciais da Mostra Educação; um filme profundamente humano que retrata as contradições sociais e educacionais da Cuba contemporânea a partir do olhar de uma criança.