De 21 de junho a 7 de julho, um recorte especial da 19ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto estará disponível na plataforma Itaú Cultural Play.

CORES E MEMÓRIA: UM MERGULHO NO CINEMA AUTORAL NO BRASIL

A 19ª  CineOP tem como foco central momentos de um percurso histórico do cinema autoral de animação no Brasil, exibindo longas e curtas-metragens de diferentes décadas, que tiveram importância expressiva nessa trajetória, com estilos e objetivos muito distintos, nos desenhos, nas cores, nas narrativas e nos ritmos, às vezes com mais humor, às vezes com um tom melancólico. Nessa sintética programação para o Itaú Play, enfatizamos três longas-metragens: Piconzé (Yppe Nakashima, 1972), primeira animação colorida de longa-metragem no Brasil; Até que a Sbórnia nos Separe (Otto Guerra e Ennio Torresan, 2013), premiado como melhor Melhor Longa de Animação no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, e O Menino e o Mundo (Alê Abreu, 2013), premiado no importante Festival de Annecy, o mais importante para a animação, e indicado ao Oscar da categoria. 

Piconzé é um filme com 80 minutos desenhados à mão livre, por sete pessoas de sobrenome japonês. , quadro a quadro, pintados no negativo de 35mm, com 25 mil acetatos e 300 cenários, processo artesanal que impressiona pesquisadores. O animador japonês, nascido em 1926, na província de Oita, chegou ao Brasil em 1956, aos 30 anos, já com experiência de chargista e ilustrador. O filme exigiu sete anos de dedicação. Ganhou o prêmio Coruja de Ouro do Instituto Nacional de Cinema e teve boa repercussão na imprensa. A história é de bandido e mocinho, com rapto da namorada do mocinho. A música tema tem letra do poeta  Décio Pignatari. Yppe Nakashima morreu dois anos depois do lançamento de seu longa.

Até que a Sbornia nos Separe é de 41 anos depois de Piconzé. Outras ambições e outra proposta estilística, mais duro, menos infantil, ambientado em uma ilha que vaga pelo oceano, Sbornia, ameaçada por um vulcão e com um muro a isolá-la. É o Rio Grande do Sul do Leste Europeu, segundo o diretor Otto Guerra. O filme é baseado no espetáculo teatral gaúcho de enorme longevidade, Tangos e Tragédias, de Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, voltando ao momento anterior do encenado. Ganhou prêmio de público no Festival de Gramado e na Mostra Internacional de São Paulo. Tem visual expressivo, de cores retiradas, cinzento, e é enfático em sua direção de arte, com ritmo acelerado e saídas inventivas. Seu maior interesse é descrever uma cultura e um povo com particularidades fortes.

O Menino e o Mundo é do mesmo ano de Até que a Sbórnia nos Separe. Tornou-se a animação brasileira  de maior circulação internacional e mais premiada, colocando o cineasta Alê Abreu, homenageado na CineOP, entre os principais diretores do país. Sua sucessão de momentos semi-autônomos, com energia e atrações próprias, compõe uma fragmentada jornada de uma criança, enredada em uma sina social no interior de uma sociedade regida pela exploração do trabalho. A inventividade visual, sobretudo quando deixa de representar algo para se afirmar como forma e cor, é impressionante e cheia de experimentações. Em votação da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, o filme ficou em primeiro lugar, tornando-se uma espécie de monumento da animação brasileira.

Dentro do recorte de curtas-metragens contemporâneos da 19ª CineOP para a programação do Itaú Cultural Play, a curadoria fez uma seleção de filmes que abarcam uma radicalidade maior de experimentação e elaboração estética, ao mesmo tempo em que lidam com questões pertinentes à elaboração da memória e à reflexão em torno de processos históricos do país. 

Dirigido por Fábio Andrade, Veredas Tropicais (RJ) é um filme em que sua própria feitura coloca em evidência o constrangimento histórico da censura ao cinema brasileiro durante o período da ditadura militar. Ao considerar o que poderia ter sido o curta Vereda Tropical (1977), de Joaquim Pedro de Andrade, com a efetivação do parecer da censura mostrado em tela, o efeito é contundente. 

O ficcional Habitar (SP), de Antônio Fargoni Jr., parte do cotidiano de um jovem em uma comunidade rural em Marília, interior de São Paulo, que descobre vestígios de um sítio arqueológico, vinculado à ancestralidade indígena da região. Com cenas filmadas na basílica de São Bento, na avenida das Esmeraldas e no Museu de Paleontologia, o curta desdobra reflexões sobre a descoberta de um passado que almeja ser preservado.

Outro trabalho que também visa repensar o passado brasileiro, de modo a trabalhar com imagens experimentais, é o curta experimental de Cristiana Miranda (RJ), Visões do Paraíso. A obra se utiliza de uma série de imagens canônicas sobre a ocupação da Mata Atlântica e das montanhas da cidade do Rio de Janeiro, a fim de articular denúncias acerca da tomada da região na época da colonização. Entre outros, o trabalho traz pinturas de artistas como Jean Baptiste Debret, Giulio Ferrara e Johann Hacob Steinamm a partir de interferências visuais e textos que irrompem na tela. Em sua forma estética, Visões do Paraíso trata tanto do ontem como do hoje, repensando a disputa territorial entre indígenas, europeus e quilombolas.

Por fim, Hélio Melo (AC/SP), de Leticia Rheingantza, fecha a seleção de curtas presentes no Itaú Cultural Play. Também com olhar alçado para questões territoriais brasileiras, o filme faz uma viagem pela Amazônia acreana, tratando sobretudo da luta dos seringueiros da região, a partir de textos originais compostos pelo artista Hélio Melo (1926-2001). O projeto capta a complexidade regional do espaço em disputa, ao mesmo tempo que imprime lirismo através da lenta narração que acompanha as imagens, interpretada por Chico Diíaz.

A plataforma recebe um compilado de curtas-metragens que, com suas afinidades temáticas e regionais, bem como seu desejo por busca do passado, procuram reimaginar e reinventar a memória de um país através de distintas experiências imagéticas, sonoras e visuais. Sem perder de vista o fato de estarem lidando, todos eles, com uma ideia de território. Mais ou menos estabelecida, mais ou menos flexível, mas, ainda assim, território, com suas manchas e capítulos, seus fardos e seus afagos. Brasil.

Camila Vieira
Cleber Eduardo
Rubens Fabrício Anzolin
Curadores