UM PASSEIO POR DIFERENTES DÉCADAS DE ANIMAÇÃO
Escolher um grupo seleto de filmes para expressar a força, a inventividade e a diversidade do cinema brasileiro de animação autoral ao longo de seu percurso histórico não é uma missão das mais fáceis. É preciso antes decidir se essas escolhas serão feitas por uma noção sempre questionável de melhores filmes na avaliação de quem escolhe, se serão determinadas pela importância das autorias em diferentes momentos, se serão orientadas pela repercussão positiva dos filmes dentro e fora do país, se os curtas-metragens serão valorizados em relação aos longas por terem sido mais presentes nestes mais de 100 anos. Consideramos tudo isso em doses equilibradas. Também levamos em consideração nessas especulações sobre critérios e métodos de armar uma programação tão específica e abrangente em seu foco a presença das mulheres na direção, uma variedade de estilos e técnicas, uma diversidade de origens regionais e uma mínima distribuição dos títulos por diferentes momentos históricos da animação. Nem sempre se tem os filmes que se deseja exibir, seja por problemas de cópias, seja por falta de retornos de quem detém os direitos de exibição, seja porque não temos espaço suficiente para tantos desejos.
São 45 títulos do cinema brasileiro de animação autoral, no total de obras programadas para sessões presenciais e online no segmento da Temática Histórica da CineOP em 2024, que abrangem um arco histórico de 1929 a 2023. Trinta e cinco filmes serão exibidos em sessões presenciais. Dez em exibições online. A maior parte da programação é de curtas-metragens (42 títulos). Apenas três longas-metragens completam o conjunto de atrações. Se a soma das criações animadas é apenas um pequeno recorte, entre outros possíveis, o conjunto permite vislumbrar a inventiva diversiva da produção no país, com técnicos, estilos, universos, tonalidades e personagens muito distintos, talvez com uma ênfase no humor em alguns e nas variações da melancolia em outros, nem todos direcionados para o público infantil (a maioria, na verdade, não é).
Alguns títulos e autorias são unanimidades ou cânones, seja pela repercussão anos afora, seja pelos prêmios, seja por terem reverberado no ambiente da animação brasileira. Outros são programados justamente por não estarem nesse mesmo posto, mas carregarem em suas imagens e traços de necessário conhecimento mais amplo. Se há três filmes dos primórdios (Macaco Feio, Macaco Bonito, Frivolité e As Aventuras de Virgulino), sobreviventes das décadas de 20 e 30, o fragmentado percurso histórico atravessa as décadas de 60 (um título), de 70 (um título), de 80 (quatro títulos), de 90 (nove títulos), de 2000 (sete títulos), dos anos 10 de 20 (16 títulos) e da década corrente (quatro). Apesar da distribuição equilibrada, dentro do possível, os períodos entre 1990 e 1999 e entre 2010 e 2019 são os mais presentes na programação.
Os anos 90 viveram os primeiros efeitos mais evidentes da modernização da animação a partir de meados dos anos 80, após o curso no CTAv com equipamentos e técnicos do National Film Board, do Canadá, que é considerado um marco de estímulo, formação e modernização da animação brasileira. Nos anos 90, se destacam algumas autorias importantes, como Marão, Ennio Torresan, Otto Guerra, Alê Abreu, Helena Lustosa, Allan Sieber, Tanya Anaya, ainda presentes na atividade da animação contemporânea. Também é a década de surgimento do Anima Mundi, que mudou o panorama da produção no Brasil. No período entre 2010 e 2020, há outro cenário e contexto, com mais incentivo financeiro e mais telas para exibir, uma nova geração de animação e outras tecnologias (digitais).
Esse panorama é sempre incompleto, pela própria limitação de número de sessões, mas não deixa de ser um ponto de partida, ao menos para quem não estuda ou pesquisa a animação no Brasil. Dividimos as seis sessões de curtas-metragens em alguns segmentos para minimamente organizar a programação. Duas sessões são de filmes possíveis de serem exibidos sem restrições etárias na Sessão Praça e de Abertura (A Saga da Asa Branca, Até a China, Castelos de Vento, Novela, Passo, Respeitável Público, Frankenstein Punk, O Anão que Virou Gigante, O Projeto do meu Pai, Poética de Barro, Viagem na Chuva), curtas-metragens que carregam assinaturas de peso, como Lula Gonzaga, Marão, Tanya Anaya, Giuliana Danza, Wesley Rodrigues, Rosária Moreira, Otto Guerra). São filmes de diferentes décadas e técnicas que conviverão diante dos olhares contemporâneos.
Outras duas sessões são de filmes de expressiva repercussão internacional, mostrando como a circulação no exterior não tem um caminho estético único e contempla uma variedade de estilos: Adeus/Céu D Elia, Carne/Camila Kater, Dilúvio/Magda Rezende, Moradores do 304/Leonardo Cata Preta, Vênus, Filó, a Fadinha Mágica/Savio Leite, A Massa que Elas Elas Gostam/Fernando Coster, Da Janela para o Cinema/Quiá Rodrigues, Linear/Amir Admoni, O Quebra-Cabeça de Tarik/Maria Leite). Há ainda uma sessão de animações documentais (ou documentários animados), hibridismo de tendência internacional já há uns muitos anos. Essa sessão é composta de Guaxuma/Norma Normande, Noturno/Aida Queiroz, O Divino, de Repente/Fabio Yamagi, Quando os Dias Eram Eternos/Marcos Vinicius Vasconcelos e Torre/Nadia Mangolin).
Completa as sessões de curtas uma sessão de animações de invenção, mais experimentais, ousados e radicais, uma linhagem, não só no Brasil, que sempre esteve na linha de frente do cinema de animação (Almas em Chamas/Arnaldo Galvão, Balançando na Gangorra/Tanya Anaya, Deus É Pai/Allan Sieber, Mademoiselle Cinema/Helena Lustosa, Magnética/Marco Arruda) e o Átomo Brincalhão/Roberto Miller). Entre os longas-metragens, optamos por um documentário com perspectiva histórica, Luz, Anima, Ação (Luiz Calvet) e dois recentes (Perlimps/Alê Abreu e Bizarros Peixes das Fossas Abissais), que nos colocam diante de duas facetas bem distintas da animação dos últimos 30 anos, uma mais poética (de Alê Abreu), outra mais sarcástica (de Marão).
Com o número limitado de sessões, decidimos ampliar a programação, escolhendo outras dez animações para disponibilizar em exibições online: Macaco Feio, Macaco Bonito (Luiz Seel e João Stamato), Frivolitá (Luiz Seel), As Aventuras de Virgulino (Luiz Sá), El Macho (Ennio Torresan), Cebolas São Azuis (Marão), Deu no Jornal (Yanko del Pino), Dia Estrelado (Nara Normande), Edifício Tatuapé Mahal (Fernanda Salloum e Carolina Markowicz), Fluxos (Diego Akel), Garoto Transcodificado a Partir de Fosfeno (Rodrigo Fasutini). Esperamos assim que, com tantas diferenças de olhares e de autorias, possamos celebrar a animação.
Cleber Eduardo
Fábio Yamaji
Curadores