CARTA DE OURO PRETO 2025 – EDUCAÇÃO

Publicado em 30 jun 2025

Inventemos um futuro que nos guste,
que no sea el futuro del apocalipsis. 
Esto es urgente” 

Lucrecia Martel 

Reunidos na 20ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, entre os dias 25 e 30 de junho de 2025, os e as participantes do XVII Fórum da Rede Kino – Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual se debruçaram em torno da temática LUGARES DE MEMÓRIA: ACERVOS E ACESSO. Com mais de 15 anos de atuação, a rede reafirma sua capacidade de articulação ao reunir pesquisadores, professores e estudantes, promover mesas de debate e estimular o diálogo entre diferentes territórios. Nesta edição, recebemos a inscrição de 116 filmes e 60 projetos realizados em contextos escolares e comunitários, oriundos de cinco países da América Latina: Brasil, Argentina, Colômbia, Chile e Cuba.

Durante o Encontro da Educação, foram discutidos aspectos relevantes da relação entre memória escolar, constituição e circulação de acervos audiovisuais nos espaços educacionais. Nos perguntamos:

Como encaminhar ações para que o acesso aos acervos se torne uma realidade nas escolas?

Qual seria o papel das mostras de cinema e das plataformas na constituição de acervos e curadorias em instituições de ensino? Seriam esses lugares de memórias?

Como fazer do digital um lugar de memória?

O encontro evidenciou que os acervos audiovisuais são também territórios de disputa: sobre o que lembramos, como lembramos e com quem partilhamos essas memórias. A partir de práticas audiovisuais diversas, que vão do cotidiano escolar às experiências de formação comunitária, as experiências apresentadas apontaram o cinema como um ato coletivo e político, uma prática de cuidado com a memória e invenção de mundos.

No contexto de uma América Latina onde cada vez mais se restringem direitos e onde se aprofundam as precarizações das relações de vida e de trabalho, vemos em risco conquistas históricas do campo popular. Isso posto, é fundamental retomar os acervos como espaços de luta e invenção, onde a liberdade se constrói tanto no acesso à imagem quanto na possibilidade de criar outras narrativas. Pensar os acervos latino-americanos é afirmar essa liberdade como horizonte comum entre memória e futuro.

Nesse cenário, a Rede Kino atua como potência de afeto, criação e articulação política, não apenas dos profissionais que a integram, mas também das crianças, dos jovens, dos adultos, das famílias, das comunidades e seres não humanos que habitam os mais diversos territórios. Nessa perspectiva, elaborar políticas públicas para o audiovisual e a educação passa necessariamente pelo diálogo com epistemologias contra-hegemônicas (negras, feministas, indígenas, queer, entre outras) e modos de pensar e experienciar o mundo que valorizem o bem-viver, em contraponto a uma visão mercadológica e industrial do cinema e da educação.

Esse foi o primeiro ano do Prêmio Cinema e Educação, dedicado à educadora Maria Angélica Santos, por sua trajetória e contribuição por meio da coordenação do Programa de Alfabetização Audiovisual no Rio Grande do Sul, da atuação política no campo da gestão pública da cultura, e pelo papel extremamente relevante que teve e segue tendo para a conquista e regulamentação da Lei 13.006/14 e da Proposta do Programa Nacional de Cinema na Escola. Expressamos nosso desejo de que, em futuras edições, este prêmio leve o nome de Professora Inês Teixeira, renomada educadora brasileira, idealizadora e fundadora da Rede Kino, que, mesmo após sua passagem, segue sendo um exemplo para nós.

Dando continuidade às discussões sobre a Proposta do Programa Nacional de Cinema na Escola – estruturada em 2024 em torno dos temas Formação Docente, Condições de Produção e Exibição, Acervos e Curadorias, e Pedagogias – os e as participantes da Rede Kino defendem os seguintes pontos:

A imediata assinatura do decreto de regulamentação da Lei 13.006/2014, que estabelece a obrigatoriedade da exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. Sancionada há mais de uma década, a Lei ainda não foi regulamentada. Portanto, esse é o objetivo mais urgente a ser conquistado ainda no corrente ano, de forma que a implementação da Lei seja estruturada como uma política pública que se sustente ao longo dos diversos governos, sendo articulada no âmbito do pacto federativo. Para que isso se realize, convocamos os agentes da sociedade política e civil a selar um pacto coletivo para divulgar o conteúdo da Lei e exigir dos legislativos locais e das instâncias deliberativas do governo federal (MEC, PGR e Casa Civil) que somem esforços nesta luta.

Aliar a mobilização de acervos e curadorias locais, tal como previsto na Proposta do Programa Nacional de Cinema na Escola, ao iminente lançamento da plataforma Tela Brasil, estimulando que cada estado e município transforme a Lei numa política pública local, num gesto cidadão de valorização de acervos audiovisuais escolares e comunitários como lugares de memórias, e da produção e difusão de filmes que promovam a diversidade de histórias e identidades como direito humano fundamental.

Destacamos a experiência do Programa Cinema & Educação da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Campinas como um exemplo de política pública já existente há quase uma década, inspirador para outros municípios. Esse programa atua no incentivo e promoção de cineclubes nas escolas e nos espaços de cultura; na realização de mostras de filmes realizados em contexto educacional; na produção intelectual; na parceria com a universidade pública e coletivos de cinema, além de organizar e oferecer formação continuada aos seus educadores.

Solicitar ao Conselho Superior de Cinema, no contexto da Agenda Regulatória da Agência Nacional do Cinema (ANCINE) 2025–2026, o debate em torno da regulamentação do Artigo 27 da Medida Provisória nº 2.228-1, de 2001. Este artigo prevê o licenciamento de obras audiovisuais realizadas com recursos públicos federais em estabelecimentos de ensino, dez anos após sua primeira exibição comercial. Em essência, trata-se de um esforço para criar um mecanismo legal e operacional que permita a um vasto acervo do cinema brasileiro chegar às salas de aula da Educação Básica, fomentando o acesso à cultura, a formação de repertório e do pensamento crítico, impactando amplamente o acesso ao cinema brasileiro.

Reforçar, junto ao Congresso Nacional e à sociedade, o entendimento de que a Lei 13.006/2014 e o novo Plano Nacional de Educação (PL 2.614/24) estão intrinsecamente relacionados, visto que a Lei favorece a realização dos objetivos 06 e 07 do PNE, que visam ampliar a oferta da educação integral na rede pública, assim como promover a educação digital para o uso crítico, reflexivo e ético das tecnologias da informação e da comunicação.

Após a aprovação do decreto, defendemos a necessária interlocução com o Conselho Nacional de Educação para normatização pedagógica e qualificação da experiência audiovisual nas escolas. Destacamos que essa qualificação passa por promover a igualdade racial e o respeito à diversidade cultural no ambiente escolar, por meio da Lei nº 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares, e da Lei nº 11.645/2008, que ampliou essa obrigatoriedade para incluir também a História e Cultura indígena.

Em resposta à Lei Federal 15.100/2025, que restringe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis nas escolas de educação básica, defendemos a presença das tecnologias digitais e midiáticas na escola a partir de uma perspectiva pedagógica mediada, crítica, criativa e ética, fazendo-as atuarem em relação com o corpo, os sentidos, os territórios e os sujeitos. Lembramos que, em 11 de janeiro de 2023, foi sancionada a Lei 14.533, que institui a Política Nacional de Educação Digital (PNED), tendo como um de seus objetivos principais estimular o letramento digital e midiático. Lembramos também a criação do programa Escolas Conectadas (ENEC), reconhecido pelo Ministério da Educação como política pública importante para a promoção da inclusão digital e inovação pedagógica a partir das múltiplas linguagens. A partir disso, consideramos que a regulamentação da Lei 13.006/14 apresenta-se como uma importante aliada na implementação de pedagogias críticas, criativas e emancipatórias a partir das estéticas audiovisuais.

Defendemos o protagonismo das universidades públicas brasileiras na realização de pesquisas e produção de conhecimento que deem suporte à elaboração e o amadurecimento dessas e outras políticas públicas que venham a ser desenvolvidas, reconhecendo a qualidade e importância dos intelectuais do nosso campo.

Nos solidarizamos e apoiamos a nomeação de Patrícia Barcelos ao cargo de Diretora da Agência Nacional de Cinema – Ancine, considerando que sua contribuição pode fortalecer as políticas públicas de cinema e educação na perspectiva defendida pela nossa rede.

Por fim, nesse encontro, reiteramos nossa esperança de que a Rede Kino continue a fortalecer os processos educacionais em toda a América Latina. Diante de políticas recorrentes que, em alguns países, apenas destroem o que foi construído ao longo de décadas em termos de apoio à produção e distribuição de cinemas nacionais e regionais, continuamos a apoiar a arte e a cultura como um direito de todos e instamos os governos a proteger o direito à educação cinematográfica e audiovisual.

Ouro Preto, 30 de junho de 2025. 

Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual