O FUTURO ESTÁ ATRÁS DE VOCÊ

A mostra preservação, sempre em consonância com a temática central, busca estimular a reflexão sobre a relação entre arquivos audiovisuais e criação de memória, entendendo a memória enquanto patrimônio vivo, dinâmico. Arquivos e cinematecas, mais que lugares de guarda física e repositórios digitais, são locais onde se tomam decisões, onde se luta pela permanência e existência das imagens que poderão operar como repositórios de memórias coletivas para o presente e para o futuro. Nestes lugares acontecem muitos dos processos de construção da memória, de modelação do que conhecemos (ou podemos vir a conhecer) como patrimônio audiovisual. Nesta dinâmica, preservadores, arquivistas e demais profissionais da área podem ser considerados também como curadores ativos no processo de seleção, exibição e recontextualização do patrimônio cultural. Na era digital, com crescimento e ampla democratização dos meios de produção audiovisual, este papel é ainda mais relevante. Por meio deste processo, os arquivos desempenham o papel fundamental na formação de nossa visão do passado. A memória,  entretanto, não é inerente ao acervo arquivístico, mas é criada no contexto da recepção, por meio de processos de remediação, aqui entendido no duplo sentido do termo utilizado pela pesquisadora Dagmar Brunow: o processo de digitalização de filmes – transferência e migração de mídia – e o de trazê-los de volta à circulação (mediação, valorização) e recontextualização. Curiosamente, para que exista memória é necessário um acervo vivo, um acervo que saia das estantes e que circule.

Este ano, a mostra preservação se organiza em algumas frentes distintas que sublinham a importância de uma memória viva e o trabalho de criação de novas memórias do cinema. Em primeiro lugar, prestamos algumas homenagens a instituições que ao longo do tempo vem fazendo um fundamental trabalho na preservação e valorização do patrimônio audiovisual brasileiro. Os 95 anos da Cinédia, os 50 anos Cinemateca de Curitiba, 40 anos do Centro Técnico do Audiovisual e os 10 anos da Cinemateca Capitólio de Porto Alegre. A programação passa pela exibição de curtas provenientes de seus acervos que contempla reuso de material de arquivos, que recriam contextos e possibilidades através de memórias anteriores e, no caso da Cinédia, na exibição de um longa metragem recentemente restaurado. Teremos a ocasião de (re)descobrir Alô Alô Carnaval de Adhemar Gonzaga; curtas-metragens de Annibal Requião (Cinemateca de Curitiba); um curta-metragem parte do projeto “Digitalização Viajante” (CTAv). O curta de Crônica de um Rio de Antônio Carlos Textor (Cinemateca Capitólio).

Em segundo lugar, há uma seleção de obras brasileiras que foram recentemente digitalizadas ou restauradas, inscritas a partir da chamada da CineOP. É empolgante observar o aumento quantitativo e a diversidade dos trabalhos de restauração apresentados, que parecem representar uma transformação do cenário no Brasil. Ainda que faltem políticas públicas que deem conta de tamanha demanda e da capilaridade da produção nacional, ações como a Lei Paulo Gustavo, por exemplo,  impulsionaram a realização de alguns dos projetos aqui apresentados. A seleção de filmes através de inscrição também permite que seja feito, mesmo que de maneira menos formal, um levantamento de projetos em andamento e de que forma têm sido realizados, seja tecnicamente ou o tipo de financiamento. Além disso, quando se observa um conjunto de obras, emerge dali um desenho, uma coerência e uma recorrência dos temas abordados. Não é por acaso que, neste momento histórico, temos visto um grande número de obras – novas ou restauradas – que abordam o período da ditadura civil-militar brasileira. A memória é viva e vibrante, e o trabalho desempenhado nos arquivos e cinematecas é a grande chave na construção da memória do mundo. Nesta seleção poderemos assistir aos restauros dos curta-metragens Na realidade…, Eunice, Clarice, Thereza e Atenção: Perigo e os longas O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, de Antônio Calmon e A mulher de todos , de Rogério Sganzerla. Complementando a sessão deste último poderemos descobrir um registro único da atriz Dercy Gonçalves restaurado pelo MIS-SP.

Por último apresentamos um olhar sobre a obra da cineasta norte-americana Abigail Child. Nesta sessão de curtas-metragens, apresentamos uma seleção de obras que exploram a complexidade da experiência humana e refletem sobre questões de identidade, gênero e memória. Cada filme, com seu estilo único, convida o público a uma jornada introspectiva e crítica, destacando a importância da linguagem cinematográfica como meio de expressão e investigação, através do uso de imagens de procedências diversas, registros próprios, materiais de acervos públicos e privados, filmes lançados comercialmente. Os curtas, vistos em conjunto, oferecem uma rica tapeçaria de vozes e perspectivas, desafiando o espectador a refletir sobre o que somos e o que nos molda.

Como complemento à mostra presencial, este ano apresentamos uma pequena mostra online composta por três obras. Dois episódios da série /lost+found, o primeiro dedicado ao ex-diretor da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa, e o segundo sobre Raquel Hallak, CEO da Universo Produção e idealizadora da Mostra de Cinema de Ouro Preto. Concebida por Hernani Heffner, apresenta histórias representativas do mundo da preservação audiovisual, tendo como epicentro e ponto de partida os profissionais que tornam possível a redescoberta, reconstituição e restauração do que uma vez foi um determinado conjunto de imagens em movimento. Por último, o curta Os cinemas estão fechando, que faz parte do projeto restauração das obras de Abrão Berman efetivado pelo Museu da Imagem e Som de São Paulo. 

José Quental
Vivian Malusá
Curadores

HOMENAGEM A ARQUIVOS

A temática preservação presta homenagem a três instituições brasileiras que celebram suas trajetórias em 2025: a Cinemateca de Curitiba, que completa 50, o Centro Técnico Audiovisual – CTAv, que completa 40 e a Cinemateca Capitólio, que completa 10 anos de atividades. Suas histórias, embora diferentes em muitos aspectos, são marcadas por muito trabalho e luta, mas também muitas conquistas. Em uma realidade como a brasileira, em que as dificuldades enfrentadas para a sobrevivência de instituições de guarda são enormes, acompanhar os frutos destas trajetórias longevas é motivo de grande comemoração. Para esta homenagem, serão exibidos alguns curta-metragens provenientes de seus valiosos acervos, de diferentes épocas.

95 ANOS DA CINÉDIA

Ainda entre as homenagens desta edição, está a Cinédia, icônico estúdio cinematográfico brasileiro, que comemora, em 2025, 95 anos de história. Fundada em 15 de março de 1930 no Rio de Janeiro, por Adhemar Gonzaga, a Cinédia foi pioneira na tentativa de desenvolvimento industrial e na conceitualização  de um cinema nacional. A empresa é um caso único na história do cinema brasileiro, por continuar atuando na produção e na restauração de filmes, com Alice Gonzaga, filha do fundador, à frente da preservação do acervo.

CURTAS E LONGAS-METRAGENS RESTAURADOS

As tradicionais sessões de obras restauradas da temática preservação trazem curtas e longas brasileiros que passaram recentemente pelo processo de digitalização ou restauração, selecionados dentre os diversos inscritos. 

UM OLHAR PARA A OBRA DE ABIGAIL CHILD

Nesta sessão de curtas-metragens, apresentamos uma seleção de obras de Abigail Child, que exploram a complexidade da experiência humana e refletem sobre questões de identidade, gênero e memória. Cada filme convida o público a uma jornada introspectiva, crítica, potente, destacando a importância da linguagem cinematográfica como meio de expressão e investigação, através do uso de imagens de procedências diversas, registros próprios, materiais de acervos públicos e privados, filmes lançados comercialmente. 

FILMES ONLINE

Idealizada pelo professor e pesquisador e gerente da Cinemateca do MAM Rio Hernani Heffner, a série lost+found apresenta histórias representativas do mundo da preservação audiovisual, tendo como epicentro e ponto de partida os profissionais que tornam possível a redescoberta, reconstituição, restauração do que uma vez foi um determinado conjunto de imagens em movimento.