CRIAR MEMÓRIA: 20 ANOS DA CINEOP
Os caminhos da preservação audiovisual no Brasil nestas primeiras duas décadas do século XXI, está intimamente ligada à trajetória da Mostra de Cinema de Ouro Preto. Criada em 2006, a CineOP consolidou-se rapidamente como um marco no calendário cultural brasileiro, tornando-se um espaço essencial para os profissionais da área de preservação e para todas as pessoas interessadas no passado do cinema no Brasil e nos seus desafios de conservação e acesso. Reunindo pessoas de diversas origens, trajetórias e formações, propiciando encontros e discussões, a Mostra contribuiu para a reorganização do panorama dos arquivos e cinematecas do país e para a ampliação dos horizontes de uma área fundamental, mas ainda pouco reconhecida e valorizada em sua importância. Em vinte anos, a CineOP construiu e consolidou através do Encontro Nacional de Arquivos Audiovisuais um espaço de reflexão, aprendizado, renovação e descoberta, onde o trabalho das instituições, frequentemente realizado nos bastidores, ganhou visibilidade e se fortaleceu; onde filmes e documentos do passado puderam encontrar novos públicos e voltar a circular; onde as memórias do audiovisual brasileiro foram mobilizadas e puderam ganhar nova vida.
Nesse sentido, a CineOP foi tanto um cenário quanto um motor das transformações no campo do patrimônio audiovisual brasileiro. Espaço privilegiado para a observação, a síntese e a proposição de novos caminhos para a área. Pensar a preservação audiovisual no Brasil hoje exige considerar o acúmulo de reflexões gestadas em Ouro Preto e compreender como elas ressoaram no panorama mais amplo do setor audiovisual do país. Não por acaso, foi na CineOP que surgiram tanto a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) quanto, mais recentemente, o Fórum de Museus de Imagem e do Som. Foi também nesse espaço que se concebeu e se tornou público o Plano Nacional de Preservação Audiovisual, documento basilar para a formulação de políticas públicas para o setor. Em um contexto mais amplo, esse movimento se torna visível na presença crescente das discussões sobre preservação nos principais eventos de cinema do país, na ampliação, ainda que tímida, das formações voltadas para a área, na preocupação mais difundida sobre a importância da conservação, e até mesmo na criação de uma diretoria de preservação no âmbito da Secretaria do Audiovisual. A Mostra é, portanto, um evento conceitual, técnico, artístico e político, que reflete a pluralidade da preservação e a diversidade do patrimônio audiovisual brasileiro.
Nesta edição comemorativa, propomos, a partir da temática central Criar memória, voltar os olhos para o passado recente (ancorados nas problemáticas do presente), revisitando as razões que nos levam a preservar filmes, os objetivos e missões envolvidos, as diversas finalidades e as diferentes formas de colocar essas atividades em prática. Trata-se de um olhar analítico sobre a complexidade da área, especialmente no Brasil, com o intuito de reposicionar os desafios atuais de maneira propositiva. Afinal, acreditamos que é sempre importante nos perguntarmos por que preservamos. O que significa preservar o patrimônio audiovisual. Preservar por quê? Preservar o que? A organização do Encontro Nacional de Arquivos Audiovisuais, através de sua extensa programação composta de mesas de debates, masterclasses com profissionais internacionais, cases de preservação e restauro e a Mostra Preservação – O futuro está atrás de você, tenta dar corpo a essa reflexão sobre a preservação audiovisual e os processos de criação de memória e patrimonialização.
Que esta edição seja mais um passo na criação da memória do futuro.
Sejam todos bem-vindos e bem-vindas.
José Quental
Vivian Malusá
Curadores
PRÊMIO PRESERVAÇÃO – JOÃO LUIZ VIEIRA
O Prêmio Preservação é uma das novidades da 20ª edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto. Foi idealizado como uma resposta à crescente necessidade de ações concretas para a salvaguarda dos acervos audiovisuais do país. Portanto, o prêmio visa reconhecer profissionais, valorizar iniciativas e/ou projetos dedicados à preservação do patrimônio audiovisual brasileiro, alinhando-se ao tema central do evento: “Preservação: A alma do cinema brasileiro”.
O grande homenageado da temática é o professor João Luiz Vieira, recentemente aposentado do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense. Figura carismática, inteligente, afiada e cheia de boas histórias – inclusive muitas delas a partir de sua longa relação com a cidade de Ouro Preto – é personagem central para a formação e a preservação audiovisual e para a construção de um modelo de formação voltado à preservação audiovisual na universidade.

Debates
Apresentação de projetos audiovisuais de preservação
Diálogos da Preservação
Masterclasses
MOSTRA PRESERVAÇÃO
O FUTURO ESTÁ ATRÁS DE VOCÊ
A mostra preservação, sempre em consonância com a temática central, busca estimular a reflexão sobre a relação entre arquivos audiovisuais e criação de memória, entendendo a memória enquanto patrimônio vivo, dinâmico. Arquivos e cinematecas, mais que lugares de guarda física e repositórios digitais, são locais onde se tomam decisões, onde se luta pela permanência e existência das imagens que poderão operar como repositórios de memórias coletivas para o presente e para o futuro. Nestes lugares acontecem muitos dos processos de construção da memória, de modelação do que conhecemos (ou podemos vir a conhecer) como patrimônio audiovisual. Nesta dinâmica, preservadores, arquivistas e demais profissionais da área podem ser considerados também como curadores ativos no processo de seleção, exibição e recontextualização do patrimônio cultural. Na era digital, com crescimento e ampla democratização dos meios de produção audiovisual, este papel é ainda mais relevante. Por meio deste processo, os arquivos desempenham o papel fundamental na formação de nossa visão do passado. A memória, entretanto, não é inerente ao acervo arquivístico, mas é criada no contexto da recepção, por meio de processos de remediação, aqui entendido no duplo sentido do termo utilizado pela pesquisadora Dagmar Brunow: o processo de digitalização de filmes – transferência e migração de mídia – e o de trazê-los de volta à circulação (mediação, valorização) e recontextualização. Curiosamente, para que exista memória é necessário um acervo vivo, um acervo que saia das estantes e que circule.
Este ano, a mostra preservação se organiza em algumas frentes distintas que sublinham a importância de uma memória viva e o trabalho de criação de novas memórias do cinema. Em primeiro lugar, prestamos algumas homenagens a instituições que ao longo do tempo vem fazendo um fundamental trabalho na preservação e valorização do patrimônio audiovisual brasileiro. Os 95 anos da Cinédia, os 50 anos Cinemateca de Curitiba, 40 anos do Centro Técnico do Audiovisual e os 10 anos da Cinemateca Capitólio de Porto Alegre. A programação passa pela exibição de curtas provenientes de seus acervos que contempla reuso de material de arquivos, que recriam contextos e possibilidades através de memórias anteriores e, no caso da Cinédia, na exibição de um longa metragem recentemente restaurado. Teremos a ocasião de (re)descobrir Alô Alô Carnaval de Adhemar Gonzaga; curtas-metragens de Annibal Requião (Cinemateca de Curitiba); um curta-metragem parte do projeto “Digitalização Viajante” (CTAv). O curta de Crônica de um Rio de Antônio Carlos Textor (Cinemateca Capitólio).
Em segundo lugar, há uma seleção de obras brasileiras que foram recentemente digitalizadas ou restauradas, inscritas a partir da chamada da CineOP. É empolgante observar o aumento quantitativo e a diversidade dos trabalhos de restauração apresentados, que parecem representar uma transformação do cenário no Brasil. Ainda que faltem políticas públicas que deem conta de tamanha demanda e da capilaridade da produção nacional, ações como a Lei Paulo Gustavo, por exemplo, impulsionaram a realização de alguns dos projetos aqui apresentados. A seleção de filmes através de inscrição também permite que seja feito, mesmo que de maneira menos formal, um levantamento de projetos em andamento e de que forma têm sido realizados, seja tecnicamente ou o tipo de financiamento. Além disso, quando se observa um conjunto de obras, emerge dali um desenho, uma coerência e uma recorrência dos temas abordados. Não é por acaso que, neste momento histórico, temos visto um grande número de obras – novas ou restauradas – que abordam o período da ditadura civil-militar brasileira. A memória é viva e vibrante, e o trabalho desempenhado nos arquivos e cinematecas é a grande chave na construção da memória do mundo. Nesta seleção poderemos assistir aos restauros dos curta-metragens Na realidade…, Eunice, Clarice, Thereza e Atenção: Perigo e os longas O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, de Antônio Calmon e A mulher de todos , de Rogério Sganzerla. Complementando a sessão deste último poderemos descobrir um registro único da atriz Dercy Gonçalves restaurado pelo MIS-SP.
Por último apresentamos um olhar sobre a obra da cineasta norte-americana Abigail Child. Nesta sessão de curtas-metragens, apresentamos uma seleção de obras que exploram a complexidade da experiência humana e refletem sobre questões de identidade, gênero e memória. Cada filme, com seu estilo único, convida o público a uma jornada introspectiva e crítica, destacando a importância da linguagem cinematográfica como meio de expressão e investigação, através do uso de imagens de procedências diversas, registros próprios, materiais de acervos públicos e privados, filmes lançados comercialmente. Os curtas, vistos em conjunto, oferecem uma rica tapeçaria de vozes e perspectivas, desafiando o espectador a refletir sobre o que somos e o que nos molda.
Como complemento à mostra presencial, este ano apresentamos uma pequena mostra online composta por três obras. Dois episódios da série /lost+found, o primeiro dedicado ao ex-diretor da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa, e o segundo sobre Raquel Hallak, CEO da Universo Produção e idealizadora da Mostra de Cinema de Ouro Preto. Concebida por Hernani Heffner, apresenta histórias representativas do mundo da preservação audiovisual, tendo como epicentro e ponto de partida os profissionais que tornam possível a redescoberta, reconstituição e restauração do que uma vez foi um determinado conjunto de imagens em movimento. Por último, o curta Os cinemas estão fechando, que faz parte do projeto restauração das obras de Abrão Berman efetivado pelo Museu da Imagem e Som de São Paulo.
José Quental
Vivian Malusá
Curadores
HOMENAGEM A ARQUIVOS
A temática preservação presta homenagem a três instituições brasileiras que celebram suas trajetórias em 2025: a Cinemateca de Curitiba, que completa 50, o Centro Técnico Audiovisual – CTAv, que completa 40 e a Cinemateca Capitólio, que completa 10 anos de atividades. Suas histórias, embora diferentes em muitos aspectos, são marcadas por muito trabalho e luta, mas também muitas conquistas. Em uma realidade como a brasileira, em que as dificuldades enfrentadas para a sobrevivência de instituições de guarda são enormes, acompanhar os frutos destas trajetórias longevas é motivo de grande comemoração. Para esta homenagem, serão exibidos alguns curta-metragens provenientes de seus valiosos acervos, de diferentes épocas.
95 ANOS DA CINÉDIA
Ainda entre as homenagens desta edição, está a Cinédia, icônico estúdio cinematográfico brasileiro, que comemora, em 2025, 95 anos de história. Fundada em 15 de março de 1930 no Rio de Janeiro, por Adhemar Gonzaga, a Cinédia foi pioneira na tentativa de desenvolvimento industrial e na conceitualização de um cinema nacional. A empresa é um caso único na história do cinema brasileiro, por continuar atuando na produção e na restauração de filmes, com Alice Gonzaga, filha do fundador, à frente da preservação do acervo.
CURTAS E LONGAS-METRAGENS RESTAURADOS
As tradicionais sessões de obras restauradas da temática preservação trazem curtas e longas brasileiros que passaram recentemente pelo processo de digitalização ou restauração, selecionados dentre os diversos inscritos.
UM OLHAR PARA A OBRA DE ABIGAIL CHILD
Nesta sessão de curtas-metragens, apresentamos uma seleção de obras de Abigail Child, que exploram a complexidade da experiência humana e refletem sobre questões de identidade, gênero e memória. Cada filme convida o público a uma jornada introspectiva, crítica, potente, destacando a importância da linguagem cinematográfica como meio de expressão e investigação, através do uso de imagens de procedências diversas, registros próprios, materiais de acervos públicos e privados, filmes lançados comercialmente.
FILMES ONLINE
Idealizada pelo professor e pesquisador e gerente da Cinemateca do MAM Rio Hernani Heffner, a série lost+found apresenta histórias representativas do mundo da preservação audiovisual, tendo como epicentro e ponto de partida os profissionais que tornam possível a redescoberta, reconstituição, restauração do que uma vez foi um determinado conjunto de imagens em movimento.