PLANO NACIONAL DE CINEMA NA ESCOLA: COMUNICAÇÃO, CULTURA E EDUCAÇÃO
A Comunicação, a Cultura e a Educação são atravessadas pela questão do tempo. Há alguns anos, era muito demorado viajar de um país a outro sem carros nem aviões. Mandar uma mensagem para alguém na maior parte do século XX demorava dias ou até meses. Na virada para o século XXI começou a se tornar acessível uma forma de comunicação mais ágil, precisa, quase instantânea, como a que usamos hoje. Mas, curiosamente, algumas atividades, fortemente entranhadas na vida, continuam demandando o mesmo tempo desde que habitamos o planeta. Um bebê precisa ainda, mais ou menos 9 meses para nascer, cerca de um mês para segurar sua cabeça, seis meses para se sentar sozinho, ao redor de um ano para andar e quase dois para falar com frases… O contraste entre o que o aceleracionismo empurra a uma velocidade cada vez maior e o que não se pode acelerar é a melhor analogia para iniciar uma reflexão sobre a importância do cinema habitar as escolas em tempos de Educação Digital. Muitos dados acessíveis de forma instantânea ampliam o acesso a uma informação precisa e ágil, mas o tempo da educação é outro, é o tempo mesmo da vida. No tempo em que criamos redes de comunicação é preciso entender a diferença do tempo de criar laços.
A tecnologia digital permite a produção e a preservação de arquivos audiovisuais desde a esfera pessoal até uma dimensão política. O contato com esses materiais pode promover reflexões e elaborações acerca da experiência individual e social, colocar em questão formas de pensar e modificar nossa relação com a vida. No campo da Educação, a emergência das tecnologias digitais possibilita ampliar e diversificar as experiências pedagógicas, sonhar com escolas cada vez mais engajadas na produção coletiva e sensível de conhecimentos, articulando as experiências passadas com as possibilidades de invenção e comunicação atuais. Trata-se de um desafio histórico sem precedentes.
No entanto, é evidente que o que é condição de possibilidade também pode se tornar motivo de vigilância, ansiedade, esgotamento, isolamento, apatia narcísica, esvaziamento do desejo de comunidade, docilização e conformidade com a ordem estabelecida, obediência inconsciente e inúmeras formas de compulsões que aparecem cada vez em idades mais tempranas. Por isso, o progresso acelerado não pode ignorar a necessidade de desacelerar e de conter o avanço na destruição do planeta. A conectividade precisa prever tempos e espaços para a desconexão, o digital não pode ser o palimpsesto do analógico, quando pensamos na educação escolar e na vida. A multiplicação de redes precisa prever e respeitar modos de habitar a escola encontrando tempos para criar laços. O encontro presencial é constitutivo do ato educativo. Nada pode substituir a relação interpessoal em qualquer tipo de pedagogia, até mesmo na experiência da educação digital. O individualismo resulta do excesso do capital. A escola precisa ser algo que espelhe sua etimologia: um espaço público e um tempo livre do mercado, das obrigações familiares, religiosas ou de qualquer outro tipo. Um tempo para aprender. Uma possibilidade de desvio às determinações do nascimento, como queria Hanna Arendt.
O digital nos desafia para incorporar novas atividades e ampliar o acesso a acervos virtuais de diferentes tipos sem perder de vista a presença e o estar juntos. Como o conteúdo digital mais presente na internet é audiovisual, hoje reconfiguramos o velho problema do cinema na escola. Desde que o cinematógrafo foi inventado ele já habitava algumas escolas. No Brasil, o cinematógrafo chega na Escola Normal de Maranhão em 1896! Ou seja, o cinema sempre esteve na escola, o problema sempre foi de escala, de política pública. Uma política pública que efetivamente chegue a todas as escolas do país, incluindo recursos, condições, formação docente, acervos, curadorias e pedagogias. Uma política que reconheça e se articule com as políticas já em andamento, que priorize a ética e o cuidado. O cuidado das pessoas envolvidas nas relações pedagógicas, mas também o cuidado com o ambiente, com a temática e qualidade dos conteúdos, com gestos de resistência e reexistência diante da manipulação inescrupulosa e voraz do mercado. A produção pedagógica e cultural de conteúdos digitais aumenta de forma exponencial, evapora, e logo se instala em nuvens que precisam de espaço público para permanecer acessíveis e que, mais de uma vez, acaba habitando espaços de grandes corporações que, com as legislações ainda em vias de regulamentação se apropriam, usam, monetizam os materiais que disponibilizamos cotidianamente. Em alguns casos por ingenuidade, em outros por falta de opção.
Em 2014, quando foi promulgada a Lei Federal 13.006, que determina a exibição de 2 horas de cinema brasileiro por mês nas escolas da educação básica, como carga curricular complementar, foi criado o grupo de trabalho Cinema-Escola com o objetivo de subsidiar a implementação da lei, elaborando metas a curto, médio e longo prazo para sua efetiva aplicação. Quando o GT Cinema-Escola, composto por sete representantes da sociedade civil, membros do Ministério da Cultura e da Educação, entregou a Proposta de Regulamentação da lei 13006/14 ao Conselho Nacional de Educação, em maio de 2016, o conselheiro a considerou mais do que uma proposta, um verdadeiro Plano Nacional de Cinema na Escola. No entanto, pouco avançamos desde então. Acreditamos que com a criação da Política Nacional da Educação Digital (Lei Federal 14.533 de 2023) e da proposição da Estratégia Nacional Escolas Conectadas, em setembro de 2023, faz-se urgente retomar a ideia do Plano Nacional de Cinema na Escola, atualizando com ampla consulta pública remota a proposta de regulamentação da lei 13006/14, e depois debater presencialmente os documentos durante a 19a CineOP. Esta iniciativa se propõe a contribuir sistematizando leituras, reflexões e propostas e entregar um documento ao poder público, de modo a colaborar com a implementação de políticas de acesso ao cinema, aos arquivos, à memória e à democracia.
É por isso que o Encontro da Educação deste ano, além de contar com duas Masterclass Internacionais, duas sessões de filmes, quatro sessões de projetos audiovisuais educativos, debates e reuniões de trabalho da Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual, irá se organizar em torno de GTs cujo objetivo será elaborar diretrizes e recomendações para a criação de políticas públicas que venham subsidiar o contato de educadores e também de crianças, da educação infantil ao ensino fundamental, e jovens do ensino médio, com as imagens e os sons de forma a garantir a qualidade social dessa experiência.
Conforme apresentado, os Grupos de Trabalho serão os seguintes:
GT Formação docente: A grande maioria dos professores e professoras que atuam nas escolas da educação básica não tiveram acesso a uma formação de nível superior em que o cinema, o audiovisual e nem tão pouco a cultura e as relações étnico-raciais estiveram presentes. Essa lacuna, que ainda é uma realidade no currículo da educação superior, precisa ser discutida. Uma das maneiras de solucionar essa situação é a formação continuada de educadores. Enfim, é preciso compreender as maneiras como o acesso dos educadores e das educadoras a essas experiências pode ser garantido, pois ele é fundamental para que o cinema esteja presente na escola.
GT Infraestrutura e equipamentos: Quais são as condições materiais para que o cinema e o audiovisual se façam presentes nas escolas? Sabemos que há uma grande variedade de contextos escolares e queremos assegurar que, dentro dessa diversidade, o cinema e o audiovisual possam estar ao alcance de todas e todos. Como pensar a questão tecnológica em diálogo com questões culturais, com o meio ambiente e sem desconsiderar as práticas pedagógicas criadas por professores, professoras e estudantes?
GT Acervos e Curadorias – Uma das questões centrais para que o cinema e o audiovisual estejam disponíveis nas escolas da educação básica é a disponibilidade pública de acervos de filmes que possam ser exibidos. Esta é uma discussão que remonta aquilo que no contexto das discussões dos últimos 16 anos da Rede Kino chamamos de Acervo Audiovisual Escolar Livre. Quais as características conceituais e curatoriais que esse acervo deve ter no sentido de contemplar a diversidade, as questões raciais, de gênero e classe? Em que medida esse acervo pode ser aproximado de percursos pedagógicos nas escolas? Como fazer com que essas curadorias de filmes se tornem disponíveis para os educadores e as educadoras?
GT Pedagogias: Tão importante quanto a disponibilidade pública de acervos audiovisuais para que as comunidades escolares possam ter acesso ao cinema é a elaboração de metodologias, que envolvem desde a criação de cineclubes, que permitam ver juntos e debater as imagens, quanto processos de criação audiovisual que possibilitem que estudantes e professores se tornem criadores de conteúdos audiovisuais.
Adriana Fresquet
Clarisse Alvarenga
Curadoras | Temática Educação